sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Da melhor novela que a TV brasileira já produziu

“Senhora do Destino” foi e é um grande sucesso. É provavelmente a mais memorável de todas as novelas a que já assisti. Uma verdadeira saga brasileira perfeitamente alinhavada por Aguinaldo Silva.

Maria do Carmo Ferreira da Silva, a protagonista vivida por Suzana Vieira encarna toda uma geração de brasileiras. Traz pungentemente a melhor condição de uma mulher, a de mãe. Contra tudo o que nossos preconceitos poderiam esperar, essa retirante nordestina com quatro filhos agarrando-se à barra de sua saia vence na vida. Encaminha seus filhos e cria para si além de prosperidade, respeitabilidade.

Mas o grande trunfo de Aguinaldo Silva não é a eloqüente crônica do valor humano, mas tornar Maria do Carmo tão mais cativante lhe trazendo o mais dilacerante drama humano, misturando ficção e realidade mais uma vez. Romanceia a história do menino Pedrinho: o maior pesadelo que qualquer mãe pode passar.

A jovem e inocente Maria do Carmo, apesar de já mãe de 5 filhos, tem sua recém-nascida Lindalva roubada pela grande vilã magnética da novela: Nazaré Tedesco, magistralmente vivida por Renata Sorrah. Assim como Mara do Carmo, Nazaré vence na vida. Porém, vence à base de mentiras, vampirizando os bens e pessoas alheias. A realidade trouxe consigo cores fortes. Vilma, a sequetradora de pedrinho, negou tudo até o último minuto, levou muito tempo até Pedrinho livrar-se emocionalmente da falsa mãe, e de forma mais novelística que a própria ficção, depois foi descoberto que pelo mais uma filha de Vilma na verdade tb havia sido roubada dos braços da mãe em condições semelhantes. Vilma Martins era uma ladra serial de bebês. Um mulher que construiu uma vida baseada em mentiras. Uma pacata e respeitável senhora era uma perigosa psicopata capaz de qualquer coisa. Assim como na ficção, tudo explode após a morte do pai de Pedrinho. Osvaldo, do qual era júnior. Uma irmã sua por parte de pai descobre a trama e demora até que caia a máscara de Vilma.

Nazaré Tedesco, com seus lapsos de loucura, sua risada alucinante e seu gosto por rodar bolsinha nas partes mais decadentes do Rio de Janeiro tem em sua língua afiada e em sua máscara de “mãe” perfeita alguns dos ingredientes que explicam pq Isabel é tão reticente em abandoná-la. Vc tb não hesitaria na mesma situação?

Sinto que não chegou a ser explorado em sua plenitude o conflito de consciência de Isabel, vivida por Carolina Dieckmann, a filha roubada. De toda forma, A fase da reaproximação mãe e filha, com seus desandos através dos arremates das tramas de seus demais filhos, é das mais emocionantes.

Uma grande trama, uma grande história de uma grande família, tudo girando em torno da matriarca de coração partido pois sempre lhe faltava um de seus filhos sob seu teto. Como não chorar nas cenas em que Maria do Carmo entrava no quarto de Lindalva, repleto de presentes que sua filha nunca recebera. Um verdadeiro novelão, com todos os toques necessários para fazer da experiência de assistir e se emocionar com Senhora do Destino algo verdadeiramente inesquecível.

De Obama e do american way of life

O discurso de posse de Obama é permeado de referências religiosas pois a “América” nasceu clamando a si mesma um certo “destino manifesto” de concretização do ideal de uma sociedade livre e perfeita. Obama se colocou como o ápice, a comprovação, de que a promessa não era vazia. O sonho americano tão propalado pode ser atingido. Até pode, se pautado por uma série de renúncias e escolhas acertadas.

A democracia americana, tão complicada para nós, carrega uma série de pressupostos e características estranhas. Lula, por exemplo, jamais seria eleito lá por suas raízes “vermelhas” e sua família disfuncional, leia-se, uma filha fora do casamento. O político americano não separa a vida profissional da pessoal, ele mais “vende uma imagem” do que, de fato, trabalha. Mesmo quando o assunto é religião.

Obama teve que inclusive mudar de igreja pq seu pastor estava queimando seu filme. No Brasil, ninguém sabe se e onde o presidente Lula comunga ou quem é seu padre.

No Brasil dona Marisa Letícia pode fazer quantas plásticas quiser que não vão escrutinar as intervenções em todas as revistas. O Lula pode pegar um sapato, mostrar pros jornalistas e dizer sorrindo: “vcs não vão atirar um em mim não, né? Ó que eu sou corintiano...”. Se Obama fizesse isso, criaria um grande constrangimento, que abalaria a relação entre a presidência e o quarto poder.

Eu prefiro um dolce far niente a ter 5 mil a mais o banco cada final de ano. Tenho dinheiro para viver. Não vivo para ter dinheiro. Prefiro com certeza estar informada sobre o andamento das novelas a ficar malhando.

Mesmo pq no nosso subconsciente, de acordo com Gilberto Freyre, suar é coisa de escravo. Trabalhar é coisa de escravo. Coisas da brasilidade...

Então, Dora, entendo e respeito o arquétipo americano da prosperidade e do conforto. Mas as coisas não são tão simples. Sabemos que o american way of life não pode ser disfrutado por todos. Se todo o planeta vivesse no padrão classe-média americana, precisaríamos de 4 planetas Terra para suprir nossas demandas.

O consumismo exacerbado, simbolizado por sempre novos celulares que precisamos comprar, novos monitores e computadores mais velozes a cada ano, ter que trocar seu VCR por um DVD e logo logo por um Blue Ray, isso é completamente DOIDO pra mim. Eu não preciso ter qualidade técnica de estúdio de cinema na minha sala! Não sou contra a tecnologia, mas sou contra a idéia de que eu apenas serei uma pessoa plena se tiver o último iMac, o último iPhone, o último Wii, a maior SUV, uma casa de 5 suítes com aquecimento central e tiver fotos das férias no Hawaii pra mostrar pra visitas. Não estou dizendo que esse seja o seu caso, mas é essa imagem meio frívola que tenho do “americano médio”.

Para um americano, uma casa não é um local onde seres humanos se abrigam e vivem. Uma casa é uma pilha de dinheiro a ser sacada numa nova hipoteca sempre que possível. Há muito dinheiro de mentira circulando nos EUA e isso acabou resultado na demissão de 480 operários em uma única metalúrgica aqui da cidade onde moro. Todo esse dinheiro de mentira está sendo demascarado e que vai pagar o preço seremos todos nós.

Toda essa terceirização, redução de custos, padronização, cartelização de mercados, transferências de fábricas para locais de legislação mais frágil, é uma onda predatória que está consumindo a economia saudável, que traz prosperidade às comunidades. Está ficando cada vez mais exposto o grave defeito que, do seio do capitalismo, iniciará sua ruína e superação.

Espero estar viva para ver. :)

Publicado originalmente em: Os EUA são mais poderosos porque são crentes? -http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=811391&tid=5293587427596872996


terça-feira, 11 de agosto de 2009

Do Decreto-Lei anti-fumo.

Os brasileiros estão sabendo?

O futuro candidato à presidência da República, atual governador do estado de São Paulo, sr. José Serra, do PSDB, baixou um decreto que virou a lei nº 13.541, de 7 de maio de 2009 que “Proíbe o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, na forma que especifica“ - todas as citações são do próprio texto da lei, que consta em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2009/lei%20n.13.541,%20de%2007.05.2009.htm


Fica especificado que não será mais permitido fumar em: “‘recintos de uso coletivo’ compreende, dentre outros, os ambientes de trabalho, de estudo, de cultura, de culto religioso, de lazer, de esporte ou de entretenimento, áreas comuns de condomínios, casas de espetáculos, teatros, cinemas, bares, lanchonetes, boates, restaurantes, praças de alimentação, hotéis, pousadas, centros comerciais, bancos e similares, supermercados, açougues, padarias, farmácias e drogarias, repartições públicas, instituições de saúde, escolas, museus, bibliotecas, espaços de exposições, veículos públicos ou privados de transporte coletivo, viaturas oficiais de qualquer espécie e táxis.

Taxistas fumantes, mesmo que sozinhos no carro, podem ser multados se fumarem. Se o cigarro faz parte de uma peça de teatro, sequer os atores poderão fumar. Em boates, bares, clubes noturnos, esqueçam o ambiente boêmio e esfumaçado. Até nos fumódromos é proibido fumar. Será que até o gelo-seco proibiram? Avisem ao roteirista de “A Grande Família”: se Marilda fumar dentro de seu salão de beleza a Globo receberá uma multa por lar que sintonizou o programa no estado de São Paulo!

Esta lei virtualmente inviabiliza a 25% da população o lazer noturno. Como um fumante vai fazer numa balada? Vai ter que pagar a conta toda vez que for fumar na calçada?

Os estabelecimentos comerciais manifestaram interesse em fazer fumódromos. Mas, em ambientes fechados eles são proibidos. Talvez colocar um aviso na porta: *ambiente exclusivo para fumantes*. Tb não pode. A lei decreta que todos os ambientes são exclusivos para não fumantes e tira a liberdade do bar A ser para pessoas que querem um ambiente livre do cigarro e o bar B para pessoas que fumam ou não se importam com a fumaça.

O sr. José Serra tem um problema pessoal com o cigarro. E com isso penaliza milhões de paulistas, muitos seus eleitores, e com certeza caminhando para adicionar um ex a isto. José Serra quer transformar os fumantes quase que em cidadãos de segunda classe, restritos em sua liberdade, considerados “indesejáveis” para o trabalho por conta do tempo perdido nos deslocamentos necessário a cada cigarro.

Eu sou contrária a todo tipo de restrição da liberdade legal do indivíduo e acrescento que se tal lei é pra valer, necessariamente deve ser imposta em todos os lugares, especialmente nas repartições públicas. Vejamos onde a lei diz não se aplicar:

“Esta lei não se aplica:
I - aos locais de culto religioso em que o uso de produto fumígeno faça parte do ritual;
II - às instituições de tratamento da saúde que tenham pacientes autorizados a fumar pelo médico que os assista;
III - às vias públicas e aos espaços ao ar livre;
IV - às residências;
V - aos estabelecimentos específica e exclusivamente destinados ao consumo no próprio local de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, desde que essa condição esteja anunciada, de forma clara, na respectiva entrada.”

OK, então eu pergunto: e nas cadeias? Lá o índice de fumantes é maior que o da população “normal” e todos estão continuamente em ambientes fechados de uso coletivo, certo?

Se o sr. governador José Serra conseguir impor seu decreto anti-fumo no SAP – Sistema de Administração Penitenciária ou mesmo na Fundação CASA bato minhas palmas para ele. Então aceitarei ser proibida de fumar na balada.

Pq eu, uma pessoa livre, pagadora de impostos e seguidora das leis devo ser proibida de fumar em ambientes fechados de uso coletivo e os detentos do sistema prisional podem fumar livremente em suas celas, corredores e pátios?

Se José Serra conseguir isso e sobreviver ao PCC sacudindo o estado de São Paulo por causa de uma coisa tão banal quanto um cigarro dará uma demonstração de força.

Se não conseguir impor sua lei nem em suas próprias repartições públicas em pessoas com liberdade restrita, como pode querer impor a pessoas livres que fiquem confinadas à sarjeta ou ao domicílio?

Prestem atenção a José Serra, pois ele quer dominar o mundo e impor que todos sejamos mauricinhos bunda-mole de gel no cabelo! Ou talvez ele queira que todos os comunistas e seus charutos emigrem do estado de São Paulo!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A extração de um fetus in fetu é assassinato?

Já é conhecida a postura tradicional de igrejas mais retrógradas acerca da proibição completa e absoluta do aborto em qualquer circunstância, mesmo nas autorizadas pela legislação brasileira, como estupro, anencefalia e risco de vida para a gestante.

Pois bem, gostaria de saber a posição destas religiões sobre o fenômeno fetus in fetu, ou seja, um feto dentro de outro feto que é caracterizado quando o corpo de um gêmeo é absorvido e se desenvolve dentro do corpo de seu irmão.

Se um aglomerado de 8 células é equivalente a uma “pessoa”, bem mais é uma “pessoa” o teratoma fetus in fetu, que chega a desenvolver ossos, dentes e cabelo no interior de seu hospedeiro, parasitando seus fluídos vitais e prejudicando sua saúde.

Em uma breve pesquisa na internet encontrei vários casos interessantes, que valem ser citados:

Indiano adulto “grávido” de seu parasita e imagem de um teratoma fetus in fetu extraído http://diariodebiologia.com/2008/12/gemeo-parasita-fetus-in-fetu/

Menina de 1 ano “grávida” http://nescawtv2.blogspot.com/2008/12/menina-de-1-ano-grvida.html

Menino de sete meses tinha um feto na barriga http://clubecetico.org/forum/index.php?action=printpage;topic=3063.0

Vários casos de fetus in fetu http://medicinaextra.blogspot.com/2008/11/fetus-in-feto.html

Portanto, as perguntas são:

A retirada de um gêmeo parasita, um fetus in fetu é considerada assassinato? É considerada aborto? O Teratoma fetus in fetu é uma “pessoa”?

Caso um adepto de uma religião retrógrada tenha um teratoma fetus in fetu que esteja arriscando sua vida, ele deve recusar-se a extirpá-lo, acelerando assim a própria morte? Ou caso seja possível extirpar o teratoma e mantê-lo vivo alimentado por aparelhos, esse deveria ser a escolha certa a fazer? O gêmeo parasita deve ser mantido vivo artificialmente pois mata-lo seria “eutanásia”?

Um teratoma fetus in fetu deve ser batizado e sepultado como uma “pessoa”?

Tópico postado na comunidade do orkut *Religião & Vida* http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=811391&tid=5317809703093954668

sábado, 7 de março de 2009

Nota de uma professora temporária

Há algum tempo vinha testemunhando na condição de OFA (Ocupante Função Atividade) o desenrolar da batalha a respeito dos professores temporários, e ao ler o artigo de J. R. Guzzo “Nota Zero” na edição de 04/03/2009, senti que posso contribuir com meu relato para a melhor compreensão das questões atuais envolvendo o professorado paulista.

Primeiro, não tirei nota zero. Das 25 questões acertei 24, nota quase máxima. Mas isso é só para ilustrar que o que me motiva a escrever não é a defesa de minha honra, mas a elucidação de questões que só são percebidas por aqueles que vivem no dia a dia a escola pública.

Como bem apontado pela secretária Maria Helena Guimarães Castro nas páginas amarelas ano passado, as licenciaturas não formam professores, mas teóricos especialistas em Vygotsky ou Piaget. Sou bacharel pela FFLCH e licenciada pela FE da Universidade de São Paulo, o que creio que me coloca entre os estudantes que tiveram acesso à melhor educação superior e devo confessar: a Universidade não me ensinou a ser professora. Não me preparou para dar aulas. Campo proximal? LDB? Projeto envolvendo arqueologia da metrópole? Tudo isso é muito bonito, mas completamente inútil quando fui jogada numa sala com 40 crianças baderneiras as quais eu me senti completamente incapaz de controlar.

A USP não me ensinou a dar aulas. Se a USP não me ensinou a dar aulas, imagino que seja ainda pior a situação dos formados nas Unis que pipocam em cada esquina no vácuo da inação governamental.

A pedagogia, de acordo com a minha experiência, é como a Constituição: muito bonita no papel, linda de ser discutida. Mas contraposta à realidade, cria uma situação de riso involuntário. Se você pega o projeto político pedagógico de uma escola, você pensa que essa escola está alocada em alguma Jerusalém celeste perdida por aí. Mas se você se der ao trabalho de ir à escola e entrar nas salas de aula, verá que tanto blá-blá-blá não passa de palavreado vazio e que na sala de aula o que o professor menos faz é ensinar. Não sobra tempo. Eu tenho muito a ensinar. Meu bacharelado foi muito bom, aprendi muitas coisas que sinto prazer em transmitir aos alunos. O problema é que eles não deixam. Eles não querem aprender.

A sala de aula, especialmente entre a 5ª e 8ª séries é um campo de batalha em que eu passo 80% do meu tempo apartando brigas e tapas entre alunos, tentando impedi-los de gritar, de correr, jogar bolinhas de papel, de depredar o material público, tentando mantê-los sentados, sem mexer no celular, sem passar maquiagem, sem ouvir o mp3. De que serve tanta pedagogia? A impressão que muitas vezes eu tenho é que a grande “onda” dos alunos na escola é se divertir fazendo o professor passar nervoso, deixando-o completamente fora de si. Algumas vezes os alunos já me deixaram em tal situação de nervos que confesso que disse e fiz coisas horríveis, que se alguém me contasse que eu faria eu diria que isso seria impossível. Só quem já entrou numa sala de aula de escola pública entende o que digo. Esses grandes burocratas da pedagogia de escritório não têm nem idéia ao que me refiro. Na prática, professor bom é o professor que não leva problemas à direção da escola. O professor que põe o aluno para fora da sala de aula, que chama a coordenadora, que comunica os abusos dos alunos é o mau professor. A mensagem é que temos que “nos virar” o melhor que der para tentar sair mentalmente sãos, e com a voz íntegra, de cada sala de aula em que entramos.

Para lecionar? Não, para tentar domar 40 leões ao mesmo tempo. Já me disseram que para vencer na vida é preciso enfrentar um leão por dia. Ok. Um leão por dia ainda dá. 40 leões a cada 50 minutos, não.

Devo sentar e rezar para que Vygotsky controle as crianças para que eu possa então tentar passar-lhes algum conhecimento?

Várias matérias da revista Veja têm abordado a educação, e um dos pontos explorados é que se têm que investir na formação dos professores. Está certo. Como política de longo prazo. Não resolve o problema de hoje. Foi criticada a postura tradicional de pleito por aumento nos salários. Essa é uma questão fulcral. Eu ganho cerca de R$8,00 (a gente nunca sabe ao certo) por aula na rede estadual de ensino. Quantas vezes não me chamaram para substituir algum professor que faltara e eu recusei-me a ir por pensar: vou lá para ser desrespeitada, passar nervoso e sair com a garganta doendo para ganhar essa miséria? Não obrigada, eu pago oito reais para não ter que passar por isso. Sem contar outro detalhe: o professor não é pago para preparar aulas. Existem os 2 ou 3 HTPC’s mais outros tanto HTPI’s que não são suficientes para fazer frente a 20 ou 30 aulas semanais. Nem de longe eu sou remunerada pelo número de horas que (ainda, pois estou nessa vida há apenas 3 anos) passo preparando aulas para os alunos. E, como brinde, ao entrar na sala de aula, eu não consigo transmitir os conteúdos programados.

Eu considero que a intenção da secretária Maria Helena até pode ser boa, mas ela deve estar atenta (e essa não tem sido a postura do governo Serra) de que ela tem que dialogar com os professores. E cumprir o que promete. A Secretária, do alto do seu gabinete, cercada pelos burocratas acima referidos, não pode achar que vai determinar unilateralmente como as coisas vão funcionar. Secretários vêm e vão. A carreira do professor dura 25 anos. O tempo joga ao lado do professor, porque ano que vem tem eleição e a secretária Maria Helena pode perfeitamente não estar mais lá em 1º de janeiro de 2011, ou mesmo antes. E todas as suas decisões unilaterais não aceitas pelo professorado podem ser simplesmente cassadas em pouquíssimo tempo, mesmo com ela ainda no cargo, como ficou claro neste início de fevereiro.

Teve greve ano passado. Eu não participei do movimento pois estava a dar aula na Fundação CASA [a “extinta” (lembram do riso involuntário?) FEBEM], cujas aulas integram as da rede estadual. Se não tivessem aulas, os internos ficariam “na tranca” durante o período de aulas, portanto, os professores da FEBEM não participaram da paralisação. Bom, a greve foi encerrada com a promessa de um concurso e de aumento salarial de 12%. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que esses 12%, em alguma mágica manobra do RH e da Contabilidade, se tornaram um aumento real de menos da metade disso. Sou da área de História, se fosse da Matemática talvez soubesse explicar melhor. E até agora, nada do concurso para 10 horas/aula. 10 horas/aula? Eu não fiz faculdade para ganhar R$500,00 reais por mês. E será algo próximo a isso a remuneração dos que forem aprovados neste concurso.

Agora, a respeito da prova. Como professora iniciante “sem pontos no Estado”, adorei a idéia. Ao ver minha nota, ainda mais: minha colocação era a de número 50 na área de ciências humanas na diretoria de ensino de Limeira. Eu me dei ao trabalho de ver, na lista de classificação, as datas de nascimento dos que estavam tanto antes como depois de mim. Não havia nenhuma pessoa antes de mim que não fosse pelo menos 15 anos mais velha do que eu. Havia dezenas e dezenas de pessoas classificadas abaixo de mim com idades para serem meus pais ou mesmo avós. Eu escolheria aulas na frente de muitos pais e mães de família, que vivem essa batalha há 20 anos e que, de repente, se veriam relegados a pegar as aulas que sobrassem depois da escolha dos recém-formados, correndo o risco de não sobrar nada. Esses professores não são meus inimigos. Eles são meus colegas de trabalho. São eles que aos poucos vão me dando dicas de como tentar controlar os alunos para aí sim, se der, ensinar-lhes História.

Entre idas e vindas em princípios de fevereiro, a prova vale, a prova não vale, a prova vale, a prova não vale, a atribuição é hoje, é, amanhã, é no sábado, ninguém sabe quando, me sentindo governada por um bando de amadores, ouvi muitos boatos a respeito da prova: que o gabarito e a própria prova vazaram na capital, que professores já falecidos tiraram nota, que professores que fizeram a prova acertando diversas questões tiveram a nota zerada, que eram muitas as liminares e mandatos de segurança circulando nos tribunais. Uma bagunça.

Por fim, pressionada pelo calendário a e própria desorganização, a Secretaria abriu mão da prova e as aulas foram atribuídas como eram antes. Minha nova classificação, sem a prova? Número 178. Uma amiga que com a prova era a de número 63 caiu para depois da casa da terceira centena. É tamanha a desorganização da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que até agora ninguém sabe quando, e se, vai ser pago o “bônus atrelado ao mérito”, com até “2,9 salários de prêmio”, mais uma iniciativa da Secretária Maria Helena que parece muito boa a princípio. O bônus sempre era pago em fevereiro. Agora, como ainda não foi finalizada a classificação das escolas no Idesp, e ninguém sabe quando vai ser, professores que sempre puderam contar com esse dinheirinho para fazer face aos gastos de começo de ano, estão completamente sem saber o que fazer ou a quem recorrer.

Boas são as idéias que funcionam. Com seriedade por parte do governo. Não as idéias utópicas lindas e as promessas vazias. Disso não precisamos. Eu não estou preocupada com os alunos que serão ensinados por professores que tiraram nota zero, pois, na prática, esses professores podem ser considerados “bons” por seus diretores por saberem controlar seus alunos (se é que isso é possível) e eu seria considerada “ruim”, por minha falta de experiência e habilidades circenses. Nem J. R. Guzzo deveria se preocupar. Deveríamos ambos estar preocupados em que o governo crie políticas reais e sólidas, que funcionem, que não serão derrubadas pelo poder judiciário, para melhorar o processo de atribuição e formação dos professores. Que crie reais políticas de valorização, preparo, e acesso ao conhecimento. Eu sequer ganho o suficiente para assinar Veja, ou Superinteressante, ou um grande jornal diário. Se o governo quer melhorar o ensino, precisa investir, e pesado, no professor. E respeitá-lo. Pois somos nós os operários da Educação. Sem a minha anuência dentro da minha sala de aula, as iniciativas da secretária Maria Helena não surtem efeito algum.

(e-mail enviado à Revista Veja)
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