sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Dos atos públicos em pijamas

A moda é uma das maiores curiosidades da cultura humana. Nenhum outro animal jamais sentiu a necessidade de cobrir-se por motivos culturais, climáticos ou higiênicos (como até os naturistas algo fazem).

O uso de trajes não é universal a todas as culturas, tenhamos em perspectiva o choque indumentário-cultural dos Conquistadores espanhóis e portugueses ao desbravar as terras americanas; e a clássica observação da carta de Pero Vaz de Caminha de que os índios, de corpos e narizes bem-feitos, “não cobriam suas vergonhas”. Esse detalhe avolumou a noção da América como o jardim do Éden redescoberto, onde “não existe pecado ao sul do Equador”.

Essa noção da ausência de roupas ligada à inocência remete ao relato edênico, no qual igualmente Adão e Eva “andavam nus e não se envergonhavam” e o fato de eles imediatamente cobrirem-se após terem seus olhos abertos pela degustação da árvore do conhecimento. Portanto, desde o mito fundador da civilização judaico-cristã ocidental, as roupas são um detalhe sempre presente.

Atualmente não percebemos outro detalhe histórico fundamental para a compreensão deste tópico. Vivendo a, creio, quarta Revolução Industrial, e muitas vezes esquecemos o mote da primeira, que transformou o mundo: o tear mecânico. E o que fazem teares mecânicos? Tecidos, para fazer roupas. Mais especificamente, roupas baratas, acessíveis a virtualmente “todos”.

Qualquer um de nós, mesmo que de classe C, ou média baixa, tem um guarda-roupa tão vasto que seu número de peças equivale-ir-se-ia ao guarda-roupa inteiro de 10 famílias de mesma classe social da época pré-industrial. Antes dos teares mecânicos, a produção de roupas era tão onerosa quanto a dos livros pré imprensa de Gutemberg.

Antes do tear mecânico, os tecidos eram entremeados artesanalmente, à mão. Um processo lento e caro. As pessoas tinham poucas, e preciosas, peças de roupa. Talvez agora vcs compreendam pq em alguns filmes medievais os defuntos eram despidos, e sepultados sem roupas. Não faz sentido sepultar um morto com algo valioso, que ainda pode ser usado.

É fácil perceber essa penúria fashion nas pinturas de pessoas com sua mudança. Se pré-industrial, uma simples trouxinha. Se pós-industrial, algumas malas. Se pós-Globalização, volumosas malas.

Só para adicionar um toque de pimenta: eu mesma já fiz piada a respeito de Jesus usar “vestido”. Rsrsrsrs. Jesus nunca usou um vestido, ele usava túnicas. Mas se uma peça usada por Jesus fosse hoje posta à venda seria etiquetada como um “vestido hipponga”. E se Jesus fosse teletransportado ao hoje, os transeuntes desavisados teriam certeza pelo seu senso fashion que ele seria algum tipo de hippie, ou vegan, ou os dois. E ele encontraria irmãos com igual trajar apenas, talvez, em Alto Paraíso de Goiás.

À época de Jesus as próprias calças não existiam pois os modelistas não haviam ainda desvendado como fazer uma cava entre as pernas que não resultasse na roupa rasgar-se quando seu trajante se sentasse. Podemos ter um instantâneo das tentativas e erros da moda pelo figurino do filme clássico de Franco Zefirelli Romeo and Juliet, adaptação da peça de William Shakespeare. Até a era industrial, sequer os sapateiros haviam tido a brilhante idéia de fazer os pés dos calçados complementares e assimétricos. Sim, isso significa que Louis XIV, apesar de seus saltos altos, não tinha em seus sapatos o “pé direito” e o “pé esquerdo”: ambos os pés eram idênticos.

Hoje, que os tecidos são baratos, e adicionalmente as roupas e sapatos são costurados por semi-escravos asiáticos, e podemos ter dezenas de peças de roupas. E mais do que isso, diferentes tipos de roupas para diferentes ocasiões, não só para atos públicos como para a intimidade do lar.

Tecer mais um comentário sobre os maravilhosos vestidos da haute couture desfilados nos red carpets do jet set internacional seria chover no molhado, e está longe do que pretendo. A questão fashion que ora abordo é do como ou pq choca e desperta muita atenção o fato de algumas pessoas, eventualmente, apresentarem uma bandeira política através do trajar pijamas: roupas exclusivas para o ambiente privado.

Foi curioso pesquisar a trajetória dos pijamas para embasar este texto. Descobri que “pijama” ou pajama vem do persa payjama (ايجامه ), e que originalmente refere-se ao que chamaríamos no Brasil por ceroulas: uma peça acima da cueca ou calcinha, e usada abaixo da calça exterior. Quase uma “combinação” feminina, como a que faltou a Lady Diana Spencer usar em suas famosas fotos de ainda noiva.

Minha bisavó, mesmo nos anos 2000, quase centenária, fazia questão de usar, abaixo do vestido, uma combinação de tecido fino. Resquício das épocas em que os trajes eram como cebolas, com várias camadas de pano.

O “pijama”, portanto, seria referente à parte de baixo, calça ou ceroula, da roupa. Já a parte de cima da sleepwear, descobri, é todo um capítulo aparte, com diversas denominações, formatos ou mesmo origens.

Para as damas: peignoir, robe de chambre, miss Elaine, “baby doll”, nightgown, camisole, kimono, négligé.

Para os cavalheiros: pijama, robe de chambre, smoking jacket, nightgown, roupão, e, surpreendentemente, banian. Desconhecia eu o termo português, e o descobri por sua derivação inglesa banyan, referente ao pijama típico dos Iluministas.

Ampla e variada é, portanto, mesmo a moda das roupas destinadas a quase ninguém ver: criadas para o uso privado do quarto de dormir. Por isso é que trajar publicamente tais gowns desperta a atenção pública e, em mim, particularmente, esta reflexão.

Muito refleti e cheguei à conclusão que são dois os motivos essenciais que levam às pessoas exibir-se publicamente de pijamas: o desprezo e arrogância; e o passar a mensagem de certa fragilidade e inocência.

O sentido de fragilidade e inocência extraí dos casos públicos de Michael Jackson e Getúlio Vargas. O Rei do Pop pois compareceu a uma sessão do Tribunal do Júri californiano em que era acusado de pedofilia rajando pijamas e smoking jacket. Do grandiloqüente pai dos pobres brasileiros pois suicidou-se trajando um listradinho, deixando o bolso da lapela transfixado e manchado de pólvora, sangue e uma torrente de lágrimas da Nação. Especialmente Getúlio, que deu-se ao trabalho de deixar como “Suicidal Note” o longo texto em que afirma “Deixo a vida para entrar na História”, poderia ter escolhido quaisquer trajes para seu último ato. Seria, talvez, mais melodramático, se o fizesse de black-tie, com a faixa presidencial que carregou por quase 20 anos. Mas não. Trajava, em seu último ato, ao entrar para a História, um pijama. Quis, como Michael Jackson, apresentar uma declaração de inocência, afirmando com seu pijama ser era uma vítima surpreendida em “calças curtas” ou “mangas de camisa”.

Os sentidos de arrogância ou desprezo depreendi das aparições de John Lennon, Hugh Hefner e Mark Zuckerberg. Não tacho a John Lennon de arrogante, longe de mim, mas seu episódio “Bed”, protestando, de pijama listrado, ao lado de Yoko Ono, pela paz, traz subjacente certo desprezo pela própria, desculpem-me, “Nova Ordem Mundial”. Já o octogenário Hugh Hefner, sempre em seu indefectível Smoking Jacket de veludo com seu monograma bordado, transmite uma certa superioridade que só alguém que viveu, e ainda vive, uma longa e mui realizada vida pode ostentar. Hugh Hefner traja continuamente pijamas pois está acima de críticas. Sabe que, por sua idade e realizações, pode zombar de suas próprias, e várias, namoradas. Enquanto cada uma delas gasta por dia algo como 3 horas entre depilação, maquiagem, cabelo e escolha de trajes, ele sequer se preocupa: comparece às próprias festas “de arromba” em pijamas e, no fundo, ri-se que todos pareçam ignorar completamente tal fato. E que, não importa quais sejam suas roupas ele pode “traçar” qquer mulher presente.

Mark Zuckerberg é um capítulo àparte. A cena de “The Social Network” em que ele comparece de chinelo Adidas e um pijama quase roupão (de banho) a uma reunião de negócios em que seriam negociados milhões de dólares é uma sacada ESTUPENDA de David Fincher, se não for mesmo real. A “declaração”, ou statement de Zuckerberg em tal situação para seus interlocutores era:

- Vc, que gastou 5 mil dólares neste terno, 200 dólares nessa camisa, 150 dólares nessa gravata e 700 dólares neste par de sapatos de couro italiano, sabe de uma coisa?: eu venho aqui com pijamas de 30 dólares do K-Mart só pra deixar claro pra vc, mauricinho, que eu sou tão genial que estou acima de críticas. Vc tem que se arrumar para MIM. EU, não preciso me arrumar para vc.

Essa moda-pijama derivada de John Lennon, Michael Jackson e, principalmente, Mark Zuckerberg é a epítome de um processo de começou com a abolição dos espartilhos, das anquinhas, das cartolas, combinações, coletes, paletós, gravatas e até, atualmente, dos soutiens.

Traduzido para os pés: passamos dos sapatos de couro e salto alto para os tênis, e dos tênis para as sandálias, e das sandálias para os chinelos, e dos chinelos para as pantufas. E creio que isto é bom.

Creio que é ótimo que progressivamente o conforto e o despojamento sobrepujem-se à aparência, à pose, às cuidadosas e caríssimas toillettes.

Creio que a moda-pijama veio para ficar com os filhos dos yuppies e que cada vez mais as pessoas passarão mais horas no conforto de seu lar e de seus robes de chambre. Cada vez mais veremos menos sapatos e mais tênis. Menos gravatas e mais pólos. Menos renda, menos cetim. Mais cotton e mais fleece. Talvez a aparência esteja, progressivamente, cedendo lugar à essência; ou o invólucro esteja sendo relegado pelo conteúdo. Estamos ficando mais informais e próximos.

Qualquer um (não, talvez os semi-escravos asiáticos), pode comprar os trajes usados por Mark Zuckerberg em sua reunião de negócios supracitada. Já, apenas 10 pessoas poderiam igualar-se em trajes aos emissários dos reis de Portugal e Espanha ao assinar o Tratado de Tordesilhas. Creio que isso diz algo de bom sobre a evolução da civilização judaico-cristã Ocidental. E ainda mais positivas são as presenças dos Sefarad Eduardo Saverin e do Ashkenaz Mark Zuckerberg.

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