sábado, 17 de setembro de 2011

A importância da delicadeza e da simpatia

Muitas habilidades essenciais à vida em sociedade não são explicitamente ensinadas aos mais jovens. E por conta disso muitos passam décadas dando murro em ponta de faca e se dando mal na vida sem ter a menor idéia do porquê.

Eu mesma só agora já adulta me dou conta do quanto girei em falso e agi contra mim mesma sem o perceber, por pouco entender quando mais jovem as “regras sociais” que regem a interação humana.

Talvez isso seja devido a eu ser portadora de algum espectro de autismo, talvez apenas pela falta de orientação em “inteligência emocional”. De toda forma, parte do erigirmo-nos como seres humanos é nos dar conta e superar nossas dificuldades.

Tenho certeza de que Deus não é cruel para nos manter presos por tempo além do estritamente necessário neste lacrimarum valle, portanto creio que Ele apenas nos mantenha aqui até adquirirmos os conhecimentos necessários e passarmos com sucesso pelas experiências que nos habilitam à candidatura a planos melhores.

Portanto, daquilo que vc tem mais dificuldade vc não deve fugir, mas encarar de frente. Só assim não precisará mais ver-se de novo diante da mesma situação, num eterno retorno na guigul nemashot ou “roda da vida”.

A “delicadeza” normalmente é uma qualidade associada às mulheres, o assim chamado “sexo frágil”. Mas ela é necessária a todos os seres humanos. Se pretendem se “dar bem” socialmente, pelo menos.

Especialmente no Brasil, é preciso aprender que tudo passa pela dinâmica da relação inter-pessoal. No Brasil a relação pessoa-pessoa (informal) sempre passa à frente das relações formais chefe-subordinado, atendente-cliente, professor-aluno, candidato-eleitor etcs.

Ou seja, antes de ser avaliado por seu chefe como “eficiente”, seu atendente como “bom cliente”, seu aluno como “bom professor” ou ao seu eleitor como “bom político”, vc será bem ou mal quisto pela sua impressão pessoal de proximidade e “amizade cativante”.

Portanto, aprendam e conformem-se: enquanto empregado, seu chefe não te avaliará pela sua capacidade de trabalho, enquanto cliente a vendedora não te atenderá “bem ou mal” pelo tanto que vc está disposto a gastar, seus alunos não te avaliarão pela quantidade de conhecimento que vc tem para lhes passar, se vc for político seus eleitores não te avaliarão pela sua honestidade e seu trabalho parlamentar: todos te avaliarão baseados em sua aparente “simpatia”. Se vc em cada ocasião em que esteve diante deles estava bem-alinhado, sorridente, de bom humor, se os saudou com entusiasmo, perguntou se “está tudo bem” e disse que, com você está tudo, sempre, ótimo.

Quando mais jovem eu não entendia absolutamente pq as pessoas perguntavam sempre ao me encontrar se “estava tudo bem” se elas, de fato, não estavam interessadas em se estava tudo bem ou tudo mal comigo. Depois de quebrar a cabeça por muitos anos compreendi que essa é uma saudação protocolar, que busca apenas confortar e reafirmar a “simpatia” das pessoas que se encontram.


Eu também não entendia a questão do “beijo de saudação”. Em países latinos, as pessoas se saúdam com um “Oi, tudo em?” arrematado por um, ou dois, ou três beijos no rosto. No Brasil, a quantidade de beijos depende do Estado da Federação. No estado de SP, um beijo basta. No RJ, são necessários 2 ou 3. E não foram poucas as vezes em que deixei cariocas com bico feito e o beijo “no ar” ao afastar meu rosto satisfeito após o primeiro beijo. Grande gafe...

Ao encontrar algum conhecido, eu sempre ficava com a dúvida se eu devia fazer o gesto do beijo ao cumprimentar ou não. Normalmente sempre optei por não o fazer, até perceber que as pessoas me julgavam antipática pelo simples fato de não haver cumprimentado-as com um ósculo.

Outra questão que sempre me foi difícil foi quando e quantas vezes eu deveria saudar meus conhecidos. Por exemplo, ao passar pelo corredor de me local de trabalho ou estudo, mesmo que só de passagem, ao ter meu trajeto cruzado com alguém que conhecia, sempre ficava na dúvida, já que não estava “de bobeira” se deveria parar para fazer um cumprimento e perguntar, mesmo sem querer saber se “estava tudo bem”. Normalmente sempre optava por seguir adiante em meu caminho.

Só me dei conta de que isso é um grande erro quando ouvi, inadvertidamente, uma colega de faculdade falar a meu respeito: “Eu não falo mais com ela, outro dia a gente se cruzou no corredor e ela fingiu que não me conhecia”. Eu não “fingi que não a conhecia”, simplesmente estava com pressa e não parei para a saudar.

Mas aprendi então que sim, toda vez que eu cruzasse por um conhecido, mesmo que eu não estivesse com vontade ou tempo para tal, sim, eu era obrigada a parar, abrir um sorriso, dar um beijinho no rosto e perguntar se “está tudo bem”, só para eu ouvir um “tudo bem” em troca e poder seguir o meu caminho sem ser julgada como “antipática”. Mesmo que eu encontrasse no trajeto 30 conhecidos, eu teria que parar, individualmente, diante de cada um deles e repetir o procedimento de interação social protocolar, ao menos se eu não quisesse me ver malquista.

Uma cena ocorrida na faculdade ilustra isso cristalinamente. Numa plenária no auditório “Fernand Braudel”, estavam meus colegas sentados em grupo, todos próximos. Quando eu cheguei, fiz um gesto coletivo saudando todos com a mão. Muitos nem responderam. Sentei-me no grupo. Um minuto depois chegou uma outra colega, bem mais popular que eu. Ela chegou e foi, de um em um, dando beijinhos individuais. Demorou uns 15 minutos, mas ela beijou individualmente a todos, inclusive eu, distribuindo sorrisos felizes. Então compreendi pq ela, mesmo sendo muito pouco brilhante, era disputada para os trabalhos em grupo, enquanto eu, que tinha contribuições intelectuais a fazer, muitas vezes era preterida. O que importava não era a capacidade de trabalho, mas a de cativar simpatia nos demais.

Ouro detalhe da interação social no Brasil é o uso de sufixos de tamanho e intensidade. E de locuções que “suavizam” ou “tucanam” o real sentido da frase. É impressionante como fazemos o uso do diminutivo e gostamos de um “inho”. Brasileiros tomam “cafezinho”, tomar “chazinho”, fazem “lanchinho” e “festinha”, na qual tomam “copinhos” de “choppinho” ou “cervejinha”.

A respeito do uso de locuções, sempre tento ser econômica e exata. Se há um verbo exato, pq usar um verbo genérico acrescido dum substantivo? Aprendi que isso se faz pelo menos motivo do emprego dos diminutos: suavizar, dar delicadeza e maior simpatia à frase.

Lembro-me ainda hoje vividamente do dia em que me ensinaram a importância da delicadeza na expressão humana. Eu tinha cerca de 13 anos. Estava no banco de trás do carro de Dona M, mãe de minha amiga T. Estávamos voltando de algum lugar em direção às nossas casa, e dona M me deixaria à porta, como sempre fazia com as amigas da filha, boa mãe que era, e ainda é.

Minha bexiga estava apertada, quase estourando, e eu profundamente incomodada disse:

- Pára no banheiro que eu preciso mijar!

Dona M fez uma cara estranha, que eu absolutamente não compreendi o sentido. Estávamos numa avenida, no meio do caminho, não dava para ela parar imediatamente, mas como eu pouco estava ligando pra isso, continuei a repetir que “precisava mijar” o mais rápido possível. Dona M não se irritou, mas com uma expressão de experiência me disse:

- Fernanda, tudo bem, já entendi, vou parar assim que der, mas deixa eu te dizer: vc é mocinha e não fica bem vc falar que precisa “mijar”. Fala que vc precisa “fazer xixi” que fica mais bonitinho.

Emborquei meu crânio 35 graus à direita em minha comum expressão de tilt diante de uma linha que não fecha e repliquei:

- Mas “mijar” e “fazer xixi” não é a mesma coisa?

Dona M. sorriu e explicou pacientemente:

- No fundo, é a mesma coisa, mas falar “fazer xixi” é melhor para uma mocinha. Quem “mija” é quem não tem educação. Sua mãe nunca te ensinou isso?

Naquele momento, sentada no banco de trás do carro de Dona M, comecei a suspeitar que eu era uma coadjuvante elencada a contragosto numa grande farsa. Demorei mais 15 anos para ter certeza absoluta disso. De que quem deveria zelar pela minha educação e pelo meu bem-estar estava pouco se lixando em me ensinar as coisas mais importantes que precisamos aprender na vida. Demorei décadas para perceber que quem deveria me promover e ajudar estava a me sabotar e prejudicar. Então dei um sorriso búdico e entendi pq sempre me ornei de ícones que afastam a inveja: joaninhas, pimentas, espadas de são-jorge, olhos gregos. Eu sabia inconscientemente que o inimigo estava muito próximo.

Pelo menos agora posso ver claramente, e talvez ajudar a orientar outros que como eu não puderam contar com uma boa educação emocional.

Portanto, fica a dica. Na próxima vez que vc se ver diante de uma copeira, se vc virar e dizer simplesmente “me traz um café”, a chance de beber um bom café é de 35%. Já se vc se aproximar com um sorriso, perguntar o nome dela, disser “Oi, tudo bem?” e pedir por um “cafezinho” assim, no diminutivo, as chances de beber um bom café saltam para 85%. E isso se replica em todas as situações de interação humana.

É preciso, sempre, delicadeza e simpatia. Mesmo que vc não esteja com saco para isso. Mesmo naqueles bad hair days, em que tudo dá errado e vc está se sentindo péssimo, vc deve saudar entusiasmicamente a todos com sorrisos efusivos, perguntar como eles estão e dizer que com vc está tudo, sempre, ótimo. Se agir de outra forma, vc corre o risco de os outros acharem que vc está "virando a cara" e sendo provocativamente mal-educado em relação a eles.


Dave Matthews Band – Mother Father


Danuza Leão


Alanis Morissette – You learn


Christina Crawford – Mamãezinha querida


William Shakespeare – Hamlet


“Miss Congeniality” – Miss Simpatia


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