sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Dos Fenômenos Literários



Em conversas com pessoas similares a mim em muitas coisas, como idade, nível social e educacional é comum um "estranhamento cultural": apesar de eu ser uma leitora voraz, não ser adepta de nenhuma "saga literária" das várias que se consagraram como "fenômenos" da "cultura pop".


As mais populares nos anos 2000 são Harry Potter, The Lord of the Rings e The Twilight saga. Não li nenhum dos livros nem assisti a nenhum dos filmes. Quer dizer, cheguei a ser compelida a assistir ao primeiro filme do "Senhor dos Anéis" com um grupo de amigos. E enquanto eu bocejava, eles exultavam.


Os motivos de eu não participar dessa "onda cultural massificada" são vários, e como já fui muitas vezes confrontada pelo espanto dos meus interlocutores por eu não parecer muito empolgada a gastar um ingresso de cinema para assistir ao "Hobbit", vale o registro.


- Tudo isso foi lançado (ou virou viral) quando eu já tinha mais de 18 anos, já tendo lido vários clássicos qualitativamente superiores em enredo, linguagem, estética, como Kafka, Shakespeare, García Márques, Sartre.


- Sempre soube reconhecer o tipo de literatura ou música classificável como "guilty pleasure": algo do que até se gosta, mas se sabe que não tem muita "qualidade". Estava ciente disso já aos 14 anos, ao reconhecer que ler livros do Paulo Coelho e chorar com as músicas do Bon Jovi eram coisas das quais no futuro eu meio que me envergonharia...


- Tive meu próprio "Harry Potter" na figura da série de 14 livros de Anne e Serge Golon "Angélica, a Marquesa dos Anjos", cada um em média com 300 páginas. Aos 12 anos já tinha lido todos, e já tinha um "cenário fantástico" no qual fantasiar com as aventuras de Angélique de Peyrac no século XVI, entre o Poitou, O Languedoc, Versalhes, o Saara e o Novo Mundo.


- Conhecer mitologia grega. Quando criança minha família tinha uma coleção de livros de mitologia grega. Como "descer o nível" depois disso?


- Ter feito faculdade de História, percebendo assim com facilidade todo o humor involuntário dos acochambramentos que os "autores pop" cometem. Isso também me trouxe uma certa visão de que se determinado autor não atingiu o nível de "clássico", com tantos clássicos imortais na minha lista de ainda por ler, devo direcionar meus esforços primeiro ao que é um "dever" ler, antes de qualquer coisa "acessória".


- Estudar a Torah. Se comparada à mitologia grega o "Senhor dos Anéis" parece bobo, o que dizer de sua comparação à Torah? Ter estudado a Bíblia Hebraica em toda a sua riqueza e multiplicidade meio que "estragou minha tolerância" a literaturas fantásticas de banca de revista.


- Perceber claramente uma "mudança de gosto" conforme os anos passaram. Um "fenômeno literário" no qual embarquei foi o de Dan Brown. Li as 400 páginas de "The DaVinci Code" em um final de semana, assim que lançado. Devorei e adorei, com 20 anos. 8 anos depois comprei "The Lost Symbol". Li, com sofrimento, 35 páginas. Achei um lixo completo. Coloquei na prateleira e nunca mais senti vontade de retomar. Se eu fosse ler hj o "Código da Vinci" seguramente também abandonaria.


Em suma, sem querer me desfazer das paixões de ninguém, passo muito bem sem literatura-pop de vampiros, bruxinhos, elfos e gnomos.


Depois de ler Eclesiastes, Provérbios, Sabedoria de Salomão, como poderia apreciar "O Segredo", "A cabana", "Quem mexeu no meu queijo"?



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

15 curiosidades a meu respeito



1 - Nasci exatamente no dia do aniversário do meu avô - e sempre fui sua neta preferida. A gente se entendia só pelo olhar ;)

2 - Nunca chamei meu avô por "avô", o chamava de Papica, Moreco e Morzinho. Porque ele era o AMOR em forma de avô. Ah, ele era primo em segundo grau do presidente militar Humberto de Alencar Castello Branco.

3 - Estou no meu terceiro poodle branco, mas nenhum deles foi comprado - um ganhei de presente, os outros 2 foram adotados da rua. Eu adotaria mais cães se pudesse. Mesmo!

4 - Antes de eu nascer, minha família morou em Fernandópolis - SP. Mas não é por isso que me chamo "Fernanda". Nunca estive em Fernandópolis.

5 - Sou cinéfila e bibliófila. Tenho centenas de DVD's e livros. Quem for me dar um presente, filmes e livros são a melhor opção :)

6 - Sou muito ligada em nutrição, desde sempre. Faço questão de todo dia comer vegetais variados, nem que seja uma saladinha. E como castanha do Pará todo dia. Acredito que uma boa alimentação poderá me fazer chegar até os 100 anos!

7 - Quando criança, o "sonho da minha vida" era ser paquita da Xuxa. Virei historiadora. Portanto, quando você vir uma menina falando que seu sonho é ser funkeira, não perca a esperança.

8 - Criei minha primeira página na internet com 15 anos, em 1998. Era dedicada às poesias de Cecília Meireles.

9 - Meu primeiro computador era um 386, que rodava Windows 3.1 . Odiei quando lançaram o Windows 95. Já usei floppy disks no drive "A".

10 - Evito ao máximo tomar qualquer tipo de remédio. Até pra gripe e dor de cabeça. Só tomo se estiver quase morrendo.

11 - Aprendi castelhano vendo novelas mexicanas quando era adolescente. Só com esse "treinamento", já consegui ler livros inteiros em castelhano.

12 - Só uso brincos. Colares, anéis e pulseiras me incomodam.

13 - Já namorei um cara que tinha exatamente o dobro da minha idade. Durou 4 anos.

14 - Eu sou muito "prendada": sei cozinhar, bordar, tecer, crochetar, fazer caixas de tecido, costurar à mão. Mas não me peça pra fazer faxina. Odeio...

15 - Minhas cores preferidas são o lilás e o verde-água. Minhas comidas preferidas são charuto de folha de uva e salpicão de frango.

E você, quais são as 15 curiosidades a seu respeito?

sábado, 2 de novembro de 2013

Saudades Eternas



"Saudade" é um desses raros substantivos exclusivos da língua portuguesa. Análogo à melancolia, ao saudosismo, a sentir a falta, ausência, de algo, but not quite that. A saudade é muito mais amplo que tudo isso, pois podemos senti-la até do que não vivemos.

"Eterno" tem um significado universal, amplo, e fácil: é aquilo que não tem fim, não esmorece nem diminui conforme o tempo passa.

Dia 2 de novembro é Feriado de Finados, dia dos mortos, no Brasil. Estive hoje no cemitério, apesar de não gostar. Minha mãe me pediu que a levasse e não pude recusar, por mais desconfortável que isso seja para mim.

Eu não sinto que no túmulo no qual seus corpos jazem esteja também a "presença espiritual" dos meus amados já falecidos. Sei que a alma dos meus mortos não está mais presa ao seu corpo físico.

No túmulo da minha família jazem 2 mortos: meu avô Vicente e minha avó Tula. E ao visitá-lo hoje percebi que a saudade que sinto do meu avô é muito mais pungente que a da minha avó.

À Tula pude acarinhar, cuidar, cozinhar, conviver, acompanhar. Por 6 anos fui sua cuidadora e companheira.

O mesmo não tive a oportunidade de fazer por meu avô, meu amado Morzinho. Como gostaria de ter igualmente tido 6 anos para dele cuidar, acarinhar, em seu abraço me aninhar. Queria ter-lhe pensado as feridas. Ter-lhe feito mil comidas apetitosas. Ter assistidos várias novelas sentada ao seu lado.

Tula morreu há menos de um ano e a saudade que sinto dela me traz paz.

Morzinho morreu há quase 7 anos e a saudade que sinto dele ainda me rasga. Sinto que não gastamos até o fim a parafina de nossa vela. Sinto que havia ainda muito por fazer. Eu queria tê-lo conhecido muito mais profundamente. Queria, tanto, ter tido a oportunidade de cuidar dele, de conviver mais no dia-a-dia com ele, como fiz com a Tula, em seus últimos anos.

Ficou algo "no ar", algo incompleto, que ainda me faz sentir que há uma pendência entre nós. Não tivemos o tempo devido para, com ambos adultos, nos conhecer plenamente. Queria ter-lhe conhecido mais defeitos. Se tinha preconceitos. Se execrava a arte moderna. Se era contra a mini-saia. Se preferia cerveja lager ou pilsen.

Conheci meu avô como uma criança conhece a um pai protetor. Sinto que me faz falta tê-lo conhecido como adulta. Como dois adultos divagando sobre a vida. Queria ter-lhe mostrado minhas poesias. Queria ter-lhe exibido minhas fotos com amigos. Queria ter-lhe apresentado meus namorados. Ainda não tenho filhos, mas como queria que ele tivesse-os conhecido!

Restou muito "por fazer" entre eu e meu avô. Por isso ainda dói a saudade. Queria ter-lhe dito muito mais coisas, especialmente o quanto ele era importante, fundamental, basilar, para mim. 

Espero que talvez, de onde estiver, ele me escute, e saiba que a minha saudade dele é incomensurável.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Do Escapismo



Confesso que "escapei bastante" de finalmente sentar para escrever este texto. Há alguns meses elaborei esta idéia e inúmeras foram as noites nas quais planejei, enfim, colocá-la por escrito. Mas sempre fugia disso. Nem hoje o faria, apesar desta ser uma das ocasiões em que o planejei. Porém, sendo este um dia chuvoso, falham minhas 2 possibilidades de conexão (paga) à internet, e o desvendei como um "ultimato" para tornar o projeto realidade.

Sei porquê tanto disto fugi. É porque essa idéia não é, nem a mim, nem a ninguém, confortável ou reconfortante, mas seu exato oposto. Espero que cheguemos até lá. Incomoda sobre isso pensar, e plasmar em texto.

"Escapismo" é o nome de uma técnica através da qual os ilusionistas realizam o espetáculo do se livrar de amarras aparentemente impossíveis. Harry Houdini era um grande mestre nisso: ser enterrado ou submergido numa camisa de força cheia de cadeados, alarmando toda uma platéia com a possibilidade de morrer na frente deles, para poucos segundos depois reaparecer, magicamente, livre de todas as trancas, num feito aparentemente sobrehumano.

"Escapismo" também é o nome de um "fenômeno psicológico" marcado pela fuga, ou negação, da realidade imediata, que resulta num "projeto idealizado" numa "antevisão" de uma utopia "muito melhor que a própria realidade".

O movimento estético-literário conhecido como "Romantismo" se baseava grandemente nisso: na fuga da realidade através da idealização de um passado heróico. Ou, no caso brasileiro, da invenção de um passado grandioso, feito sobre o molde europeu (temos aí o "cavaleiro-índio" Peri de "O Guarani" de José de Alencar como melhor exemplo).

Vivemos, ainda, em um mundo Romântico. Embora a "moda literária" da "alta cultura" tenha passado pelo Realismo, Simbolismo, Parnasianismo, Modernismo e Pós-Modernismo, a "baixa cultura", do "povão" me parece ter meio que "estacionado" no "belo" paradigma romântico. 

Pois é muito confortável "escapar" da realidade que nos oprime. Que nos diz que somos pequenos, frágeis, desimportantes, vivendo um tempo passageiro insignificante, num lugar risível, sem nada de especial. Queremos ser grandiosos, protagonistas de uma heróica senda de descobrimento, queremos nos sentir herdeiros de antepassados gloriosos, portadores de uma herança superior a todas as demais. Enfim, gostamos de nos sentir especiais, únicos, expoentes de uma grande tradição.

E quando nada disso há, o inventamos. Simplesmente o inventamos. 

Nisso, vale a leitura do "A invenção das tradições" "Eric Hobsbawm", que basicamente explicita como todos os "símbolos da nacionalidade", muitas vezes venerados como sagrados e atemporais, foram fabricados em determinado contexto histórico, para cumprir objetivos políticos específicos, enumeráveis.

Muitas pessoas recorrem, portanto, ao Nacionalismo, para escapar da triste realidade diante dos seus olhos, num mecanismo psico-sociológico de negação, de fuga da realidade. É mais ou menos assim: "minha realidade é ruim, porém meu passado, o passado dos meus ancestrais, do meu povo, da minha nação, é grandioso, vejam nosso folclore, nossos herois, nossa tradição..."

E isso também pode se dar por adoção, por "adesão" a uma cultura vista como "melhor", ou "mais tradicional" (e portanto "mais verdadeira", supostamente). É nesse ponto que toco na conversão religiosa.

O Brasil é, ainda hoje, um país francamente católico. Mas não "Católico Apostólico Romano", mas "católico à brasileira". Vivenciamos um "Catolicismo folclórico", popular, poroso, osmótico, cheio de influências externas, reminiscências, marcado pela presença das tradições indígenas e africanas. Somos católicos por tradição, mas meio que "estranhamos" o Catolicismo "puro sangue", não nos identificamos com o latim do rito romano. Por ter sido uma religião que nos foi em grande parte imposta, muitas pessoas não a sentem como "verdadeira" e procuram uma alternativa "melhor".

E esse "melhor" necessariamente parece passar por um "mais antiga" ou "mais pura". 

Nisso, muitos enveredam pelo Protestantismo. Embora em "secos dados históricos" essas vertentes sejam muito mais jovens que o Catolicismo, todas elas alegam "reviver o Cristianismo primitivo" tal qual era praticado pelos primeiros cristãos, antes dos "desvios doutrinários" de viés pagão que teriam "manchado" a Igreja Católica. Portanto, embora mais jovens, as igrejas protestantes alegam representar um "resgate" de práticas primevas, "abandonadas" pelos desvios da Igreja de Roma.

Mas há muitos que não se satisfazem com uma tradição de "meros" 2 mil anos. Querem ir além, embora nem sempre "radicais" ou "fundamentalistas", conseguem perceber que todo o Cristianismo é uma derivação de algo mais antigo, e portanto, "idealmente" "mais verdadeiro": o Judaísmo.

E isso vai ao encontro de outra ponta histórica mal-amarrada: a ausência de uma "etnia brasileira". O "brasileiro" é, essencialmente, mestiço e bastardo. E isso nos traz grande desconforto. Como povo, somos o resultado de relações ilícitas, ou mesmo forçadas, entre brancos, negras e índias. Somos filhos do estupro, e não nos sentimos bem com isso. Somos filhos bastardos de mãe negra/índia pobre, não reconhecidos pelo pai branco, rico.

Para fugir ao enfrentamento dessa realidade que não nos agrada, INVENTAMOS (ou aderimos a) TRADIÇÕES GRANDILOQÜENTES que nos permitam, num claro mecanismo de fuga, ressignificar nossa identidade, avolumando-a, aprofundando-a, melhorando-a, tornando-a em todos os aspectos superior àquela diante dos nossos olhos, palpável, da qual queremos fugir, a qual nos é desagradável, posto que real.

Como se disséssemos:

"Eu achava que não tinha tradição, mas veja só, 'redescobri' ou 'adotei' uma tradição antiqüíssima, super verdadeira, a mais antiga do mundo!"

"Eu achava que não tinha identidade, mas veja só como é tradicional, antiga, a senda que estou percorrendo!"

Tão mais bonito que assumir-se "católico por imposição, mestiço a contragosto, bastardo sem herança" é o INVENTAR-SE judeu, budista, messiânico, hare krishna, muçulmano, por "resgate" ou "conversão". Psicologicamente para nós, muito mais fácil que encarar uma realidade "desonrosa" é escapar-se dela enveredando por sendas exóticas, idealizadas, distantes no tempo e no espaço, e por impalpáveis, idealizadas, teóricas, "qualitativamente superiores" a tudo o que nos é real, cheio de defeitos.

Foi, é, difícil para mim colocar essa elaboração de idéias por escrito por perceber-me também sua praticante. Também eu, em variadas fases da minha vida, procurei caminhos que me permitissem fugir de mim mesma, de encarar-me em profundidade: amores românticos, identificação com a tradição oriundi, paulista, como bat anussim, noachide. 

Por muito tempo considerei seriamente a possibilidade de me converter ao Judaísmo. Fosse mais fácil, o teria realizado e talvez essa reflexão nunca se realizasse: se eu ocupasse minha mente no aprofundamento numa "cultura mais verdadeira" que a minha própria "gastaria" minha "libido reflexiva" no apreender reflexões de veneráveis outréns. E não no aprofundamento reflexivo em mim mesma.

Muito mais fácil que encarar a mim mesma constatando a fraqueza de minha "parca filosofia" é adotar o escopo interpretativo de gigantes filosóficos testados pelos séculos como Maimônides, Buda, o profeta Muhammad, Jesus de Nazaré.

Como se desistíssemos de investir na meditação própria "terceirizando" essa reflexão, confiando em uma "revelação" feita a doutos terceiros. Por isso é tão confortável, e reconfortante, "abancar-se" numa doutrina religiosa. E quanto mais "tradicional", justificada em sólidos fatos históricos ela for, melhor para nos convencermos de que "esta sim" é a "filosofia de vida real" pela qual devemos nos pautar.

Muito mais simples que executar a árdua, e muitas vezes infrutífera, tarefa do encarar-se em profundidade é o escapar de si mesmo, dirigindo nossos esforços reflexivos para o "aprender o caminho dos outros", adotando uma religião que nos ilude com realizações que o "descobrir às cabeçadas o próprio caminho" pode jamais nos prometer.

Elis Regina (via Milton Nascimento) - Cais http://youtu.be/aHoBvW16q78 
Natiruts - Vamos Fugir http://www.youtube.com/watch?v=iQ2ddk4VOsc 
Vespas Mandarinas - Não sei o que fazer comigo http://www.youtube.com/watch?v=9f5ERVxbcZc 
O Teatro Mágico - Eu não sei na verdade quem eu sou http://www.youtube.com/watch?v=Hlj8EtVoRi8 

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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Vou-me embora pra Pasárgada - Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

 

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.




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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Balanco de Yom Kipur 5774

Como é difícil escrever este texto!  Muitas foram as coisas inesperadas que me surpreenderam neste último ciclo anual. Há 1 ano nem remotamente eu suspeitava que coisas tão determinantes me aconteceriam tão rápido.

Minha vida sofreu uma verdadeira guinada, uma reviravolta completa. Muita coisa mudou, à minha revelia. Me mudei de casa e desde que isso aconteceu, tenho tido bem menos inspiração para escrever, e até algum ponto isso é até bom.

A esta altura dos meses, ano passado, minha avó passou por uma cirurgia de catarata. Por 2 meses não pôde dirigir, cozinhar, tomar banho. Neste intervalo, aproveitou para vender seu velho carro, e ficamos apenas com o meu. Sua convalescença foi um período em que nos aproximamos bastante. Apesar de nossa proximidade nos últimos anos, sempre houve um certo "estranhamento" entre nós.

Quando eu era criança, ela foi obrigada a me criar, e sempre me deixara bem claro que isso era a seu contragosto. Diferentemente da Cristhiane e da Patrícia, que ela tratava como se fossem suas filhas, e a chamavam de mãe, sempre houve uma linha bem traçada, clivando que ela não me considerava da mesma forma, que eu era um estorvo em sua vida, uma "agregada indesejada". Nunca lhe joguei isso na cara, e até compreendia isso. De fato, não era obrigação da Tula me criar, eu morava em sua casa de favor, e isso sempre ficou bem claro de sua parte. 

Mas foi com um certo deleite que certo dia, após sua cirurgia, enquanto a pensava e lhe levava comida que lhe disse:

- Vc imaginava, Tula, que das suas 3 netas, seria EU a que cuidaria de vc quando vc estivesse idosa?

Ela fez uma expressão que dizia "se eu soubesse, teria te tratado com mais carinho", mas disse apenas:

- A vida nos ensina muitas coisas inesperadas.

Me sinto bem em poder dizer que dela tratei melhor quando ela precisou de mim do que ela me tratou quando eu era criança e precisei dela. Porém, tudo o que fiz por ela foi de boa vontade, não meramente para "cumprir uma obrigação". Independentemente de ter me cuidado quando criança, Tula era minha avó, eu a amava, e por ela fiz tudo o que podia, e mais até.

Muitas foram as comidinhas que preparei para sua e minha degustação. Posso dizer que cozinhava "para ela" pois desde seu falecimento, consigo morreu minha gana de preparar tais quitutes. Pouca graça tem cozinhar apenas para si própria. 

Recebi em Rio Claro, ainda na casa de minha avó,  a visita de amigos muito queridos, que vieram especialmente de Sampa. Romeu e Gisele, esta com marido e filhinho. Foi uma grande alegria que estes tenham se disposto a viajar quase 200 quilômetros para me visitar e conhecer minha então casa. Prova de profunda e duradoura amizade.

Também recebi a visita de Mainá, vinda de Piracicaba. Em 5773 estive em sua casa de Sampa 2 vezes. Uma quando fui prestar o frustrante concurso para professor na prefeitura de Sampa, outra para passar o Reveillon.

Meu Natal de 2012 foi um dos "top 5" de toda a minha vida. Tive a sorte de ser acolhida pelo Romeu em sua festa. A família do Romeu é simplesmente ma-ra-vi-lho-sa, tem uma ótima energia. São muitos os primos, os tios, os agregados, todos unidos numa "vibe" de amor, festa e comilança. Passei um Natal feliz, com uma família unida pelo amor. Adorei, e espero no futuro repetir a experiência. Aproveitei que estava na Vila Formosa para matar as saudades da tia Maria do Carmo, irmã do meu avô Morzinho, do tio Jaci e do falecido primo Mauro.

Passado o Natal, comemorei meu aniversário com 2 churrascos na beira da piscina na casa da Gisele. Todos os amigos antigos compareceram: Maty, Romeu, Aline, Thaís e até o Chico. Inesquecível.

O Reveillon passei com a Mainá e a Sandra. Fomos a uma festa super dez, dos amigos da Sandra. No dia seguinte, primeiro de janeiro, estava tão feliz, despreocupada, até receber uma ligação e "cair do céu". Era minha mãe Maria José Tomasella dizendo que justo na noite da virada a casa de minha avó tinha sido assaltada. 

Eu pretendia ficar mais um pouco em Sampa, mas tive que voltar imediatamente para Rio Claro. Minha avó Tula estava viajando, em Ubatuba, e cabia a mim tomar as providências práticas necessárias.

Foi triste chegar e ver a casa toda revirada. Meus objetos pessoais devassados. Itens de valor, bijuterias finas, jóias, barras de ouro, dólares, subtraídos. Só com o chaveiro gastamos mais de 500 reais. Tomei todas as providências necessárias, para poupar minha vó disso. Só no dia seguinte recebi uma ligação dela, bem menos nervosa do que eu esperava, comunicando que acabara de saber do ocorrido. Quando lhe disse que eu já tinha feito tudo o necessário e a casa já estava com novas trancas, percebi na calma expressa em sua voz que confiava em mim para cuidar e guardar sua casa.

No final de janeiro vieram nos visitar meu tio Renê e meu primo Renan. No retorno ao Rio de Janeiro, levaram a Tula, pois Cristhiane viria da Austrália com namorido e bebê Liam Novais Dermott. Foi numa sexta à noite, ao voltar do trabalho quase onze da noite, que vi minha avó pela última vez. Nos abraçamos e despedimos rapidamente. Na manhã do sábado seguinte foi para o Rio de Janeiro, saudável, alegre e saltitante, para me ser devolvida menos de 1 mês depois dentro de um caixão.

Não queria ir ao Rio. Queria voltar depois de 2 semanas, mas insistiram para que ficasse mais. No sábado 16 de fevereiro liguei no seu celular, estranhando que já fazia algum tempo que não me ligava. Quem me atendeu foi Regina. Fingiu não reconhecer minha voz e perguntou "quem está falando".

-É a neta dela.

Me disse que Tula estava hospitalizada com crise respiratória, o que sempre acontecia quando ia ao Rio. Lhe disse que a fizesse me ligar quando retornasse para casa. Neste sábado, quase pelas 23 horas, Tula me ligou para dizer que já estava em casa.

A última vez em que falei com minha avó Tula foi na noite de terça 19/02/2013. Era tarde da noite. Ela me ligou e enquanto desfiava o rosário de suas dores e mal-estares, os quais eu estava acostumada a pacientemente acompanhar, ouvi ao fundo a voz insensível de Cristhiane dizendo:

- Lá vai ela fazer o relatório das doenças...

Percebi que isso fez Tula resumir seu relato, sentindo-se criticada como uma "velha chata", e rapidamente se despediu. Ainda me machuca que a última vez em que pude falar com minha avó, nossa conversa foi diminuída, interceptada, por essa frase. Tenho certeza que, do além, Tula sabe extamente do que estou a falar.

2 dias depois Tula sofreu um derrame cerebral. O soube por Maria José. Perguntei aos do Rio se ela corria risco de vida, pois em caso positivo imediatamente pegaria estrada com Maria José para lá. Me asseguraram que não. No domingo 24 de fevereiro meu tio Renê ligou, perto do meio dia, para comunicar seu falecimento.

Eu tive apenas 2 horas para fazer uma malinha com os itens essenciais e sair de casa. Pois 2 horas é o tempo que leva a viagem de Sampa a Rio Claro, e já estavam a caminho Regina, Patrícia, Letícia e Alex. Era demais para mim ter que lidar concomitantemente com o falecimento de Tula e a presença deles e dos parentes que logo viriam do Rio de Janeiro.

Liguei para Maria José vir em casa, para "receber as visitas" depois de eu sair. A ela expus toda a minha dor. Sei que minhas cordas vocais jamais voltarão a ser as mesmas depois de lhe ter externado, em 200 decibéis, toda a dor que rasgava a minha alma. E ainda rasga. Eternamente lhe serei grata por ter ouvido toda a expressão do meu sofrimento. Lhe expus minha pior face, sem máscara. Vomitei grande parte de minha mágoa, e isso me fez bem. Especialmente ao saber que, mesmo lhe expondo meu "pior lado", ela continuava me apoiando.

Após fazer minha malinha e lhe entregar as chaves, fui me abrigar na Toka do Shrek, república estudantil dos meus amigos da Física da Unesp. O João Eduardo Fonseca nisso me fez um favor inestimável. Na segunda seguinte do velório, só compareci na última hora, completamente fora de mim.

Pedi que João me acompanhasse pois sinceramente não sabia se conseguiria me controlar, ou se voaria no pescoço de Regina, se faria um escândalo homérico, se lhe cuspiria na cara. Sei porque não o fiz. Foi por causa de Sofia.

Minha prima em segundo grau, Viviani, tinha 2 filhas que eu conhecia: Ivana e Amanda, e uma terceira, a mais nova, que eu nunca tinha tido oportunidade de ver, Sofia. Moravam em Brasília, e eu só conhecia Sofia do Facebook e do Instagram.

Cheguei no velório, recebi um abraço do meu tio Renê ao qual hj me arrependo de ter aquiescido, e me arrastou para ver Tula no caixão; lá fiquei um minuto, e sem suportar, saí para fumar um cigarro. Nisso vi chegar Viviani, com seu marido Miguel e a menina Sofia. Me abraçaram, deram os pêsames e falaram que tinham vindo de carro, direto de Brasília.

Olhei a bela Sofia e comigo pensei: "Eu não vou fazer essa menina ter se abalado de Brasília até aqui para voltar traumatizada, sabendo que essa família é tudo menos 'uma família'." Então foi por ela, para não violar sua inocência, que "fiquei na minha" e me contive.

Terminado o enterro, voltei à Toka, segura de que os parentes em menos de 1 semana iriam embora. Ledo engano. Cristhiane, marido, Liam e Regina ficaram por um mês, o que nem em meus piores pesadelos eu esperava...

Nisso soube que quase levaram embora o canário Frank. Dele cuido há 6 anos, desde o falecimento do meu avô. Me disse Maria José que ao chegar do velório, Patrícia já estava de saída, com a gaiola do Frank no carro. E que foi ela que, alarmada, impediu que o levassem embora. Foi triste perceber que sem me consultar, sem me fazer uma mera ligação no meu celular, iam simplesmente levar embora o MEU CANÁRIO, do qual eu cuidava há 6 anos e do qual Regina já tentara dar fim. Falta de respeito, da mais rasa consideração é apelido. Iam simplesmente subtrair meu pet sem sequer pensar "hum, será que a Fernanda, que cuida dele há 6 anos, não vai achar ruim?". Agradecerei eternamente a Maria José ter impedido que o roubassem de mim.

Quando finalmente Cristhiane, Regina & cia foram embora, vi que tinham espoliado a casa. Sem me consultar ou comunicar, deram embora móveis. Levaram inúmeros itens. Quadros, fotos, utensílios. Até coisas que já eram minhas, q Tula me tinha dado, como um belo vaso de vidro, transparente com azul. Raparam completamente os porta-joias. Levaram todos os soutiens. O aparelho de som, e muitas outras coisas. A casa foi espoliada, pilhada.

Encheram 2 carros, levaram tudo o que quiseram. Como se com sua saída a casa fosse ficar vazia, sem ninguém. Pois como a um "ninguém" me consideravam.

Uma semana depois tive uma das piores decepções de minha vida. Menos de 1 mês antes de falecer minha vó tinha comprado, por indicação de Renê, uma televisão nova. Quando foram embora, Regina deixou avisado a Maria José que logo Patrícia viria busca a TV nova.

Me senti tratada como uma "caseira", uma empregada da família, sem direito a absolutamente NADA. Que direito Patrícia tinha à TV nova se tinha sido EU a cuidar de Tula, e Patrícia não fizera jamais NADA por ela, além de lhe pedir dinheiro? Além disso, já estava há alguns anos combinado entre eu e a Tula que quando fosse a ocasião de a casa dela ser desfeita, eu ficar, nas palavras dela "com uma casa montada": todos os seus eletrodomésticos e móveis ficariam comigo. Foi triste perceber que no momento em que ela faleceu, tudo o que ela "deixou dito" passou a ser sumamente ignorado pelos parentes. Ela, e sua vontade, deixaram de ser respeitados no momento em que morreu.

Mandei um e-mail a Renê dizendo que pretendia ficar com a TV nova. Ele me ligou, tresloucado, completamente fora de si, me xingou, ofendeu, inventou que tinha "sustentado a mim e ao meu gigolô" (desconheço a o que se referia), ameaçou vir a Rio Claro me bater, desligou o telefone na minha cara.

Neste dia perdi um tio, o único que tinha. Eu jamais havia-lhe feito nada. Pelo contrário, até então sempre me tratara muito bem, com o respeito que eu mereço. No momento em que Tula faleceu, tudo isso sumiu. Eu passei a ser "um problema" em sua vida. Os 6 anos, e seis anos não são seis dias, durante os quais eu tinha cuidado da Tula eram simplesmente IRRELEVANTES. Me tratou como um lixo, insinuou que eu era uma prostituta, e que eu lhe devia dinheiro. Neste momento, morreu para mim. Não pretendo jamais voltar a vê-lo, constatado que por mim não tem nenhum respeito, nenhum agradecimento, nenhuma consideração. Nunca mais me ligou, nem nos falamos. Que assim fique.

Depois disso percebi que a minha simples existência era uma "pedra no sapato" dos 2 herdeiros da minha avó. Se me permitiram continuar na casa mais um tempo, não foi por eles. Foi por 2 coisas, que fugiam completamente a mim.

Quando eu soube do AVC da minha avó uma só coisa me veio imediatamente à cabeça: avisar aos seus amigos do Centro Espírita Fé e Caridade, pois sabia que Tula, muito dedicada ao Espiritismo, o queria, e estava necessitada de suas preces.

Imediatamente pensei em ligar para Dona Dirce Martins. Só não o fiz na hora pois já era tarde da noite. Na manhã seguinte, esperei soar 9 da manhã e liguei para Dona Dirce, pedindo que mobilizasse os amigos do centro em oração. Depois de Tula falecida, Renê me disse que pedira a dona Dirce orientações de como proceder e ela determinara: "tudo deve ficar como está por 6 meses", o tempo mínimo para o espírito de Tula se "desprender" de suas coisas materiais.

Isso Regina não respeitou, espoliando a casa em menos de 1 mês. Só não fez pior pois estava de viagem marcada para a Austrália. Não fosse essa viagem, previamente marcada, eu não teria podido permanecer mais na casa. Portanto, se fiquei 4 meses na casa após o falecimento da Tula não foi por "bondade" ou "favor" de ninguém, nem em respeito aos meus direitos ou sentimentos. 

Ao saber que Regina voltaria da Autrália no final de julho, estabeleci esta como a minha "deadline" para me mudar. Não queria jamais voltar a ver-lhe a cara.

Tive 4 meses para encaixotar tudo. Lavei TODAS, todas as minhas roupas. Selecionei e lavei, todos, os panos de prato, tapetes e toalhas da Tula que queria levar. Foram 4 meses melancólicos, cheios de fantasmas, reminiscências, lembranças, saudades, nos quais todo dia ia ao antigo quarto da Tula, montado como um diorama à sua memória, como se ela ainda estivesse presente, e em sua memória, eu fazia orações. Várias vezes, com o coração triste e pesado, lhe agradeci por tudo, e dela me despedi.

Minha tristeza só foi aplacada pela chegada da pequena Amy. Presente da minha mãe, já explorado em outro texto. Ganhei uma nova filha, uma poodlezinha branca, com mais personalidade do que eu gostaria, mas adorável justamente por ser cheia de "marra". Amy é única e não a trocaria por nada.

Em julho, de férias, fui a diversas imobiliárias escolher minha nova residência. Visitei mais de 15 e escolhi uma que, embora mais cara do que gostaria, é per-fei-ta pra mim e pra Amy, com um grande jardim, que aproveitamos ao máximo.

Quando eu era criança, Maria José morava numa chácara, na qual plantava diversos gêneros alimentícios. Estou de certa forma emulando em meu amplo jardim a chácara na qual cresci. Plantei canteiros com ervas (manjericão, orégano, hortelã, salsinha, cebolinha, menta, pimenta, boldo, babosa). Tenho um tomateiro, em produção, só para mim. Plantei sementes de mamão, e farei ainda canteiros de diversas verduras. Não quero "flores", mas coisas úteis, de comer.

Me sinto muito feliz na minha casa nova. Ao me mudar da casa da Tula, levei tudo o que considerava que justamente me cabia. Deixei muitas coisas de valor: metade de uma baixela, a batedeira, o filtro de água, a cafeiteira, o foot spa, o umidificador de ar, a lavadora a pressão, o microondas, uma mesa de jantar com aparador, várias camas, colchões, 3 televisões, 1 videocassete, enfim, deixei várias coisas que poderia ter levado, mas não o fiz. Não por quem os viria levar, mas pela Tula. Levei apenas o que eu sentia que ela aquiescia em eu levar.

Na casa nova, só minha, me sinto muito mais leve, pronta para começar "vida nova". Ao me mudar rompi definitivamente com meu tio, minha ex-mãe e irmãs. É triste saber que não deixei para trás boa coisa, ou grande coisa. O falecimento da minha avó Tula foi o fim da triste família que um dia tive.

Hoje me sinto livre. Livre do peso das lembranças, das obrigações, das cobranças, das mágoas. Coloquei uma pedra, um ponto final, no passado.

Agora, aos 30 anos, me sinto livre para começar vida nova. Espero sinceramente que o ano de 5774 me seja mais propício, me traga mais alegrias, pois 5773 foi "bem foda", difícil, com muita coisa ruim. Mas agora tudo passou e um novo futuro, limpo, se descortina.

Que venham coisas melhores!

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sábado, 17 de agosto de 2013

Como melhorar a qualidade dos seus sonhos


Nesta sexta feira 16/08/2013 aconteceu-me algo incrível. Só precisaria dar aulas às 12:30, portanto na noite anterior coloquei meu celular para despertar às 10:00 e às 10:10.

Pontualmente às 8:06 minha cachorrinha Amy acordou-me gemendo aflita, olhei as horas, pensei "putz, tava num baita sonho legal", mas me levantei e abri a porta da casa para ela poder ter acesso ao jardim, caso tivesse vontade de ir ao banheiro. Estava frio. Voltei à cama para aproveitar o tempo que me restava de sono, e deitei com o pensamento "será que consigo retomar aquele sonho?"

Aquele sonho sei que não retomei. Mas tive outro, desta vez interrompido pelo sinal das 10:00, do qual guardo lembrança vívida.

O tema era "passarinhos".

Amy caçava passarinhos, e estava a brincar com um filhotinho de canário amarelo. Eu pegava o filhotinho, surpreendia-me de estar inteiro, e o adicionava à gaiola do meu canário Frank Sinatra. Anda no mesmo sonho, Amy caçava outro canário, desta vez adulto, e eu também o pegava nas mãos e o colocava na gaiola no Frank.

Então, mesmo no sonho, me passou pela cabeça que em inúmeras situações isso se repetira, e à esta altura, já devia estar lotada, com dúzias de pássaros oníricos a gaiola do pequeno Frank.

Então percebi que tenho tido inúmeros sonhos envolvendo pássaros. E, ainda deitada na cama, percebi que o "ruído de fundo" do meu sono era o piado de dezenas de pássaros, de variadas espécies, na jaqueira que faz sombra à minha casa. E que, da área de serviço, já cantava alto, reclamando de ainda estar coberto, o meu pequeno Frank.

Todos estes elementos - Amy caçadora de pássaros, o cantar do Frank, e os piados insistentes dos pássaros na jaqueira - resultavam-me num sonho leve, delicioso, propício e feliz: eu acompanhando a Amy caçando seus passarinhos, e tal qual num "pesque e solte", ao invés de ela os matar, eu os guardava, seguros, a fazer companhia ao já idoso e não tão mais solitário canário Frank, que herdei de meu avô.

Dreamgirl - Dave Matthews Band http://youtu.be/uoS_RYoDwNw

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sábado, 10 de agosto de 2013

Visita à Federação Espírita


O ano era 2004. Eu residia no condomínio Viadutos, à praça General Craveiro Lopes, na Bela Vista, ou Bixiga, centro de São Paulo, em frente à Câmara Municipal, entre os viadutos Jacareí e Maria Paula.

Cursava o terceiro ano de faculdade de História na USP. Embora enveredasse pelos estudos judaicos, ainda me considerava a quarta geração de espíritas kardecistas de minha família.

Estava "em crise": acabara de terminar um relacionamento de 4 anos, e tinha vários problemas familiares. A 200 metros de minha casa, ficava a Federação Espírita do Estado de São Paulo. Num dia ensolarado, resolvi fazer uma visita.

Não posso dizer que tenha sido despretensiosa. Foi a primeira vez em muitos anos que entrava em um centro espírita. Desde pequena, nunca gostei muito de ir "ao centro" (fosse outra a minha religião, diria "ao templo" ou "à igreja").

Acho que o que mais me incomodava era uma certa percepção de "hipocrisia", não contra a religião espírita, mas a respeito das pessoas em geral. Era algo plenamente perceptível na postura, no tom de voz. Fora do ambiente religioso, quotidianamente, as pessoas tinham uma voz e uma postura natural. "No centro" eu percebia que as mesmas pessoas se comportavam de outra forma, falavam de outra maneira, tentando "passar uma imagem" melhor de si mesmas do que aquela que era perceptível no seu dia-a-dia. Mesmo que isso seja natural, e compreensível, sempre me incomodou, e me afastou de "ir ao centro" pois sentia que lá as pessoas meio que "faziam pose de boazinhas, evoluídas", e fora deste ambiente, "relaxavam" e voltavam a seu "eu espontâneo", falho, "real".

Quando qualquer pessoa me perguntava se eu "ia na igreja", minha resposta-padrão era:

- Não vou a nenhum centro religioso. Religião, para mim, não é algo que se pratica uma vez por semana, "no culto", é algo que se transpira, que se VIVE no cotidiano.

Mas apesar de minha "aversão" à "religião institucionalizada", sempre respeitei o Espiritismo Kardecista, especialmente por não cobrar, nem aceitar, dízimo dos fiéis. Sociologicamente, os espíritas tendem a ser pessoas instruídas, estudadas, que se relacionam com sua religião a partir da leitura, não de experiências místicas, transcendentais, "miraculosas".

Vendo-me num momento complicado, apesar de minha postura algo cínica, vi que "não haveria mal algum" em ir à Federação Espírita, nem que fosse só para me decepcionar e "desencanar de vez".

A Federação Espírita do Estado de São Paulo ficava a 200 metros da minha casa, portanto não havia desculpa. Juntei coragem e fui. Subindo a pequena escadaria branca, percebi que havia uma fila de pessoas no hall. Brasileiros têm certo fascínio por filas. Se há uma fila de pessoas, algo de "interessante" elas devem estar aguardando. Fui ao fim da fila e perguntei à última pessoa para o que ela era. Me disse "esta é a fila da palestra".

Espíritas não têm "culto" nem "missa", mas sim palestras, estudos. Minha avó Tula era palestrante no Centro Espírita Fé e Caridade, em Rio Claro. Portanto, eu sabia o que esperar de uma "palestra espírita". Aguardei ao fim da fila, e quando as portas foram abertas, entrei num grande parlatório, com mezanino, parecido com aqueles que a gente vê de madrugada na TV nos cultos evangélicos. Acostumada que estava ao acanhado "Fé e Caridade", admirei-me com o tamanho do lugar e o número de assentos disponíveis.

Eram 3 os palestrantes, se apresentaram como profissionais liberais, passaram suas "mensagens do evangelho" com aquele típico tom de voz dos palestrantes espíritas que eu ouvi em minha própria avó tantas vezes. Só no centro, não em casa. Terminada a palestra, disseram:

- Quem estiver precisando de atendimento personalizado, a seguir teremos orientação doutrinária no subsolo.

Como não tinha mais nada fazer, e já estava por lá, fui ao subsolo e peguei mais uma fila. Quando chegou minha vez, entrei na sala de atendimento, com umas 5 mesas, nas quais espíritas experientes "atendiam" aos visitantes. Me indicaram a mesa de uma senhora de cabelos brancos, com a mesma aparência respeitável das "senhorinhas espíritas" amigas da minha avó no Fé e Caridade.

Apesar disso, minha postura era algo cínica, de dúvida, como se estivesse diante de uma cartomante. Desde antes de sentar, já tinha decidido que falaria o mínimo possível, meio que "testando" a autenticidade de quem me atendia.

Muito simpática, com aquele típico "tom de voz espírita", professoral, perguntou o que me levara até lá. Respondi simplesmente:

- Estou à procura de orientação.

Ela olhou bem fundo nos meus olhos, pegou minhas mãos nas suas, tremeu levemente, e disse suavemente:

- Você tem mediunidade...

Achei que tinha sido uma pergunta e disse que não, que na verdade "tinha medo de espíritos". Ela não chegou a sorrir, mas suas bochechas se retesaram evidenciando seus pés de galinha, e nesta expressão compreendi sem palavras seu pensamento:

"Eu não perguntei se vc tem mediunidade, eu constatei que vc tem mediunidade."

Pegou uma folha de papel e começou a escrever o nome de uma série de cursos oferecidos pela Federação Espírita. Começou a falar comigo como se "soubesse do meu passado" de "espírita ancestral", ainda que nada eu tivesse lhe revelado.

Começou a me dar uma série de orientações: você deve fazer o curso tal, depois o curso tal, depois o curso tal... Enquanto eu me perguntava se ela "falava isso para todo mundo" ou era algo específico, personalizado, quando ela concluiu:

- Eu sei que você é uma pessoa intelectualizada, cheia de dúvidas sobre a espiritualidade. Mas estou te esclarecendo o caminho que eu vejo que você pode seguir no Espiritismo, pois tem todas as potencialidades. A sua intelectualidade pode ser usada em prol da espiritualidade, dentro do Espiritismo.

Percebeu minha postura reticente, questionadora, duvidosa. Mais uma vez pegou minhas mãos e disse:

- Mesmo que você ainda não se sinta pronta, pense. Guarde este papel. Um dia, quando chegar a hora, você compreenderá.

Não sei se já chegou esta hora. Na verdade, sei que ainda não veio. Ainda guardo o papel com suas orientações. Continuo a ter "medo de fantasmas" e de minhas capacidades mediúnicas. De certa forma, as renego, procuro ignorá-las, não alimentá-las. Nunca investi nisso, nunca me senti apta.

Mas sempre percebi uma série de intuições, insights, coisas "cinzas" inclassificáveis em minhas experiências pessoais cotidianas. Embora racionalmente eu ainda rejeite tudo isso, não posso deixar de percebê-las. Guardo certo medo de "ver além" e perder o controle das coisas que não compreendo, que sinto estarem "acima" ou "além" do eixo cartesiano, de tudo o que pode ser determinado, classificado, medido.

Acho que minha mente ainda está "fechada" e não quer ver as coisas que aquela senhora percebeu em mim.

Muito me surpreendeu que ela tenha me tratado como uma "espírita escolada", mesmo que eu não lhe tenha dito praticamente NADA sobre mim.  Parecia que ela "já sabia" de tudo que não lhe falei. Senti-me como uma aluna diante de uma professora que a constata "em nível avançado" e já na quinta série recebe orientações de como entrar em Harvard.

Talvez seja este o caso, talvez não. Nunca "rompi definitivamente" com o Kardecismo, pois nunca vi necessidade disto. Primeiro porque esta não é uma religião na qual exista "conversão" e "desconversão" dos "apóstatas". Segundo pois, embora já tenha percebido inconsistências e até falhas teológicas em sua doutrina, ainda considero o Espiritismo uma religião digna de respeito, que não se envolve em escândalos, que não cobra nada em dinheiro de seus adeptos. Terceiro, pois mesmo me aprofundando nos estudos judaicos, ainda não constatei nenhuma "falha fundamental" na doutrina espírita, fora a questão "de Jesus", que precisa ser relativizada, e compreendida culturalmente no Ocidente. 

Hoje, não sei sinceramente se continuo "espírita" ou não. Mas posso dizer que nunca me decepcionei com nada desta religião. E que esta visita apenas avolumou meu respeito pela doutrina. O fato de a senhora que me atendeu ter me encaminhado a "estudos superiores espíritas" mesmo sem saber de minha história de vida e meus estudos universitários, me surpreendeu bastante e reforçou minha admiração por seus praticantes graduados.

Ela sabia quem eu era, ainda que nada tivesse lhe dito. Não descarto a possibilidade de um dia fazer a série de cursos que me indicou. Mas ainda me sinto muito "racional, cartesiana", e pouco "intuitiva, metafísica".

Ainda não me sinto pronta. Nem sei se um dia estarei.

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sábado, 6 de julho de 2013

Dos poodles brancos

Em postagem anterior, relatei a "história de vida" de dois cachorrinhos que tive ( http://inadvertidamente.blogspot.com.br/2010/11/prosaica-elegia-de-jade-e-lucca-meus.html ), como viveram e, tristemente, morreram.

Mas a vida dá muitas voltas, e às vezes parece que torna a nos colocar diante das mesmas situações, como se o tempo fosse cíclico.

Desde o falecimento de Jade, em outubro de 2010, guardei-lhe um longo luto. E por um bom tempo ter outro cachorro pareceu-me fora de questão. Sentia como se ao pegar outro cachorro eu estivesse sendo infiel a Jade, como se ela fosse substituível. E não é, nunca foi.

O espaço que meus cachorros tiveram, têm, em meu coração, jamais poderá ser preenchido por outros, quais sejam. Cada um tem seu lugar em minhas memórias, em meu afeto, e sua falta jamais cessará de apertar meu coração.

Eu nunca comprei um cachorro a dinheiro e sou pessoalmente contra o se comprar filhotes. Lucca, ganhei de presente de meu ex-sogro. Jade foi encontrada perdida na rua. Nenhum deles foi comprado. E eu não compraria jamais um cão.

Quando minha avó Tula faleceu em fevereiro de 2013, me vi completamente sozinha numa casa enorme, que faz eco, cheia de 30 anos de lembranças e muita saudade não só dela, mas também de meu avô Vicente, falecido há 6 anos e meio.

Logo minha mãe Maria José Tomasella, que tem 5 cachorrinhas adotadas da rua, me disse que eu deveria ir atrás de um cachorro, para ajudar com a minha solidão, aplacar um pouco da minha tristeza. Fiquei meio na dúvida, temerosa. Mas aos poucos fui me acostumando à idéia e pensei comigo: "assim que minha situação se resolver e eu mudar de casa, então vou no Centro de Zoonoses e pego um cachorrinho abandonado".

Nós sempre achamos que podemos programar, planejar, "nossa vida". Mas a vida, ah, a vida, sempre nos surpreende, nos atropela, ignora completamente e passa por cima dos nossos projetos. O "nosso tempo" nem sempre é simultâneo, sincronizado, com "o tempo" e os fatos que a vida nos oferece, possibilita. 

Eu não planejava pegar um novo cachorro tão logo, mas a vida me atropelou, com a amorosa intervenção de minha mãe.

Me disse que já há algum tempo ela observava que um casal seu vizinho tinha uma cachorrinha que não era bem tratada. Certa feita, conforme me relatou, estava na porta, quando viu os vizinhos saindo de casa, e a cachorrinha deles fugiu. A esposa, displicentemente, disse ao marido apenas:

- Não corre atrás não, deixa fugir...

Maria José não teve dúvida, correu atrás da cachorra, foi até eles e disse:

- Se vocês não querem a cachorrinha, eu quero! Eu fico com ela.

A o que sua "dona" disse simplesmente:

- Então pode ficar!

Um dia depois o marido dela veio à porta dela e disse que "tinha pensado melhor" e que a queria de volta. Devolveu, mas continuou "de olho". Alguns dias depois, num feriado prolongado, foram viajar, e deixaram a cachorrinha, sozinha, trancada do lado de fora, no quintal. Enquanto estavam fora, a cachorrinha tanto que fez que conseguiu fugir mais uma vez, mas providencialmente Maria José viu, correu atrás e a resgatou, de novo.

Me ligou. Disse que tinha resgatado uma cachorrinha pequenininha, e me perguntou se a queria. Sem titubear, eu disse que sim. Passei no supermercado, comprei ração, latinhas de "patê" para cães, um ossinho de couro, e fui à sua casa pegar minha nova filha.

Maria José me esperava no portão, com um cãozinho branco no colo, em péssimo estado. Me aproximei, ela me passou o cãozinho ao colo e a primeira coisa que pensei foi: "que bom, ele não rosnou, é bem dócil". Ao senti-la nos meus braços, percebi "como está magra, devia estar passando fome". Seus ossinhos saltados cutucavam. Estava emaciada, esquálida.

Lhe dei uma boa olhada então e pensei: "ora bolas, parece ser poodle, será que é mesmo ou vira-lata mista com poodle?" Não tinha como saber, dado seu estado lastimável. Estava muito feia. Tinha o pelo bem longo, todo emaranhado, cheio de nós e bolotas. Em seus olhos, 2 enormes pedras pretas de ramelas de meses, que ninguém limpava. Fedia. 

A meti no carro e levei para casa. No trajeto, pensava em qual nome lhe daria. Após cogitar vários, veio-me um à mente: vendo como era pequenina, cabia-lhe também um nome pequenino, cheio de charme, delicado. Lhe disse em voz alta, como se a estivesse a chamar:

-Amy!

E imediatamente ela atendeu, virou a cabeça e me olhou. O vi como um sinal de que gostou e aceitou este nome, e depois disso nenhum outro poderia ser cogitado. O reputo como homenagem à falecida cantora Amy Winehouse e à personagem do seriado "The Big Bang Theory" Amy Farrah Fowler (Mayim Bialik).

Chegando em casa, como estava suja, não a pude acarinhar como queria. Era feriado, primeiro de maio, e só por isso não a mandei imediatamente ao banho e tosa. Lhe ofereci água e ração. Comeu e bebeu como se não comesse e bebesse há vários dias. Senti meu coração se apertar por isso.

Já estando farta e parecendo mais alegre, lhe disse, mesmo sabendo que ela nada entenderia:

- Olha, agora vc é minha filhinha. Eu te prometo que vc nunca mais vai passar fome nem nenhuma necessidade. Vou cuidar bem de vc, mas em troca vc tem que prometer que vai "durar" pelo menos 10 anos. Vc está PROIBIDA de morrer antes que eu complete 40 anos, viu?!

Como eu ainda não a conhecia bem, nem como seria sua rotina de xixis e cocôs, a mantive a princípio apenas no quintal. Em sua primeira noite, peguei um travesseiro velho para lhe servir de cutcho. "Cutcho" e "cutchar" é uma das poucas expressões italianas que persistiram em nossa família. Equivalem ao "dormir" ou "deitar". Nos primeiros dias, antes de ganhar minha confiança, dormiu no quintal, e não lhe permiti acesso à cozinha.

No dia seguinte de sua chegada, já dia útil, a levei ao pet shop, para banho e tosa. Ao ir buscá-la, era outra! Eu deixara lá uma cachorra bege que eu suspeitava ser mista de poodle. E de lá retirei uma poodle branco-gelo, perfeitinha.

A moça do pet shop, que se lembrou ao me ver da época em que lá mesmo eu deixava o casalzinho Jade e Whiskey, disse:

- Eu acho que essa cachorrinha nunca tinha sido tosada, teve medo da maquininha, do secador. E ela estava cheia de carrapatos. Tiramos, mas vc deve ver isso.

Fui direto ao melhor pet shop da cidade, com a pequena Amy no colo. Por primeiro, comprei-lhe um carrapaticida. Depois, como ela não aparentara simpatizar muito com o travesseiro velho, talvez por estar cheio do cheiro do suor de várias pessoas que ela jamais irá conhecer, me pus a selecionar-lhe caminhas.

Como minha idéia a princípio era de que ela dormisse do lado de fora, no quintal, mas não queria que passasse frio, fui ver as em formato de iglu. Não queria uma "caminha", mas uma "casinha". As de madeira não me pareceram suficientemente confortáveis e fui ver as de tecido, todas acima dos 100 reais. A vendedora disse que os cachorros costumam "não gostar muito de casinhas fechadas", preferindo caminhas, mas atalhei: "é que ela vai dormir no quintal, quero protegê-la do frio".

Com sua ajuda, escolhi uma grande, bonita, bem quentinha. Na seção de coleiras, experimentamos algumas até nos decidir por uma bem "gracinha", lilás. Eu já estava no caixa quando a vendedora que me ajudara a escolher o tamanho certo da casinha, me abordou:

- Ela assim tosadinha não vai passar frio dormindo no quintal? Pq vc não leva também uma roupinha?

Normalmente eu não aceito nenhuma dica de "vendedores", sempre na sanha por vender mais e mais. Mas na inflexão de sua voz percebi uma preocupação genuína de um "dog lover"; e aquiesci. Com sua ajuda, experimentamos na pequena Amy algumas roupinhas até chegar a uma rosa-choque, xadrez, que levei.

De volta em casa, ela agora limpinha e bem tosada, a pude abraçar, pegar no colo e acarinhar. Em alguns dias, auferi que ela tinha algum nível de "consciência" sobre higiene, fazendo suas necessidades no ponto extremo do quintal, onde deveria, mesmo que eu não a tivesse instruído a isso.

Quando percebi que ela não faria suas necessidades no meu quarto, passei a permitir que dormisse comigo, no quentinho, na intimidade do "quarto da mamãe". Apesar da preocupação da vendedora, Amy a-do-rou sua casinha em formato de iglu, nela se sente muito confortável e segura. É com certa alegria que quando ralho com ela por algo que não gostei, a vejo correr e se refugiar na casinha, pois lá se sente segura de todos os "perigos".

Percebi nela alguns traumas, como o de vassouras. Logo da primeira vez que peguei vassoura e pá para recolher suas necessidades, ela fugiu, com medo. Meu coração apertou. Também, ao trocar de sapatos, quando ela me viu com o chinelo na mão, imediatamente fugiu, se refugiando na casinha, tremendo de medo. Hoje, que ela já está comigo há 2 meses, isso não mais acontece. Ela já sabe que eu não usarei nem a vassoura nem o chinelo para lhe bater, e não mais fica com medo quando me vê com eles na mão. 

Foi com muita dor no coração que então constatei o quanto ela era terrivelmente maltratada em seu antigo lar. Não só passava fome, mas também era agredida, e abandonada à ação livre de parasitas, sem os devidos cuidados de saúde e higiene. Como tinham coragem de tratar tão mal a uma cachorrinha tão boazinha e delicada, com menos de 3 quilos?

Maria José me disse que quando finalmente voltaram de viagem seus vizinhos, foi lhes perguntar da cachorrinha, a o que a antiga dona disse com displicência:

- Ah, fomos viajar e ela fugiu. Achei até bom, uma preocupação a menos, ela tava cheia de carrapatos, dava muito trabalho.

Trabalho?!... Depois disso, vi que seus antigos donos não sentiam nenhuma falta dela, e que a partir de então podia ficar descansada de que não a queriam de volta. Isso somado aos maus tratos de que era anteriormente vítima, por parte deles.

Desde a chegada da pequena Amy, percebi nela apenas 2 "defeitos":

1 - Ela é fujona MESMO. No começo, acostumada que sempre estive a cachorros "tranquilos", que jamais tentaram fugir, abria o portão e a deixava livremente "dar uma conferida" na rua. No primeiro mês, ainda insegura e temerosa, nem saía da frente de casa.

Mas logo aprendi que não devia "dormir no ponto" com ela. Ao receber amigos de visita, enquanto eles entravam com as malas, Amy se afastou na rua. A chamei "Amy!" E ela prosseguiu a se afastar. Chamei de novo e de novo. Minhas chamadas apenas pareciam fazer ela ir mais longe. Quando a vi 5 casas adiante, fui atrás. Ela correu mais longe, em direção à Avenida Perimetral. E quanto mais eu ia em sua direção e a chamava, mais longe ela corria.

Cruzou a avenida, para meu desespero. Corri atrás dela, deixando atrás meus visitantes desconcertados. Vendo-a ir em direção ao Rheder Netto, vendo que gritar "Amy!" em tom de desespero apenas a fazia correr mais longe, disse bem alto, em tom doce:

- Vem colinho!!!

Como mágica, ela deu meia volta e veio em direção aos meus braços. Ufa!

Semanas depois, recebi a visita de outra amiga. Resolvemos sair, à pé, até a rotisserie da esquina, pegar um marmitex. Enquanto saíamos, decidi deixar a pequena Amy na garagem, pois voltaríamos em coisa de 10 minutos. Saímos. Enquanto escolhíamos dentre as opções, Amy entrou no estabelecimento e meu sangue gelou:

- Como vc chegou aqui?!

Achei que tinha deixado o portão aberto. A peguei no colo. O segurança da rotisserie disse:

- Ela é sua? Foi por sorte que não foi atropelada. Cruzou a avenida 3 vezes antes de entrar no restaurante.

A trazendo de volta pra casa, encontrei uma vizinha, com quem pouco converso:

- Ela te achou? Graças a Deus! Vi ela passando pelo portão, e não consegui pegar, pois ela correu!

Chegando à porta, vi que o portão permanecia trancado. Perguntei à vizinha:

- Mas ela passou por entre as frestas do portão? Mas como?!

- Não sei como, mas vi ela se espremer, se retorcer, até passar!

Então vi que não poderei, jamais "dormir no ponto" com a pequena Amy. E minha amiga falou:

- Vc escolheu o nome certo! Ela é loki, maluquete tal qual a Amy Winehouse!

2 - Amy tem instinto caçador. Especialmente a respeito de passarinhos. Desde o primeiro dia deixou claro que acha apetitoso e tem muita vontade de comer o canário do meu vô, Frank Sinatra. Ela lambe os beiços quando o vê e fica pulando, tentando alcançar sua gaiola. Também aos pardais e pombas da rua quer comer.

Quando saímos para passear, fica en-lou-que-ci-da com todos os pássaros que vê. Quer correr em sua direção e devorá-los. Talvez pq em sua casa anterior passasse fome e "complementasse sua alimentação" caçando passarinhos. É com muito esforço e cuidado que tenho mantido o pequeno Frank longe do seu alcance, tentando em vão convencê-la de que ele é "irmãozinho" e não comida.

Fora ela ser fujona e querer comer meu canário, só tem qualidades. É dócil, amorosa, carente, obediente, higiênica, linda e carismática. Mas, sobretudo, me ama. Incondicionalmente.

Chegar em casa e ter "alguém" que se alegra, efusivamente, em me ver, trouxe um novo colorido à minha vida. Eu já tinha meio que esquecido o quanto isso é bom. E de como é doce o som de um cachorrinho se sacudindo, fazendo aquele barulho típico das orelhinhas batendo.

Eu havia me esquecido de como é boa a sensação de acarinhar um cachorrinho entre os braços. De como é gostoso ver um cachorrinho se espreguiçar, bocejar e se abandonar, bem leso e molinho, entre seus braços, seguro de que está "no colinho da mamãe". De como é bom virar e revirar um cachorrinho no colo enquanto ele te lambe a abana o rabinho.

Mas, além disso, de como é bom, ao fazer tudo isso com minha pequena Amy, lembrar-me que também o fazia, de igual forma, com Jade e Lucca. De certa forma, ao abraçar Amy, me sinto também abraçando aos dois poodles brancos que tive antes dela.

Ao ter essa sensação nostálgica, a cada vez, agradeço o belo gesto de minha mãe ao reservá-la para mim. Ela poderia ter pego a Amy para ela. Mas, ao vê-la poodle branquinha, sabendo que eu já tivera 2 poodles branquinhos, soube que ela seria perfeita para mim.

E é. Racionalmente, eu teria preferido pegar um vira-latas, sem raça definida. "Cai melhor" a uma pessoa com meu discurso e postura ter um vira-lata. Pois quem me ver ao lado de Amy jamais pensará que ela foi resgatada, mas sim comprada, e como disse acima, sou contra o se pagar dinheiro, comprando, um cão, como se fosse mercadoria.

Meus 2 poodles anteriores, não os peguei por serem "de raça". Lucca ganhei. Ser "de raça" (duvidosa) foi surpresa. Jade fôra resgatada, prenhe. Ser "de raça" também foi surpresa. Igualmente, Amy não "escolhi por ser de raça". Ganhei de presente da minha mãe. Ser "de raça", poodle toy, branquinha, foi uma feliz e bem-vinda, "coincidência".

Sei que tê-la me fará ser obrigada a alugar casas um pouco maiores e mais caras, e isso custará alguns milhares de reais a mais por ano. Mas já não consigo imaginar minha vida sem ela, que já considero minha filhinha. É com prazer que trabalharei dezenas de horas a mais, para sustentá-la.

Amy me traz alegria, sorrisos, paz, tranquilidade. Aplacou minha solidão. Desde sua chegada, comecei a ver a vida de outra forma, vislumbrando um futuro. Agora tenho um compromisso ao qual não pretendo faltar, jamais. Tenho uma obrigação com ela. Assumi um compromisso de lhe proporcionar um lar confortável, seguro, comidinha da melhor, e muito carinho.

Ao menos pelos próximos 10 anos, enquanto minha pequena Amy viver, tenho um bom, um ótimo, motivo para continuar na luta. Antes dela, voltar pra casa era melancólico. Tudo o que me esperava era o vazio, a saudade, a tristeza, o luto, os fantasmas do passado.

Hoje, quando volto pra casa cansada do trabalho, já chego com um sorriso. Antes de terminar de estacionar o carro ouço os latidos de Amy, alegre de que a "mamãe" voltou. E me sinto feliz em voltar e ter "alguém" que está a me esperar e me recebe com felicidade. E ela é contagiosa!

Obrigada, mãe, obrigada, Amy, por tornarem minha vida muito mais feliz!

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sábado, 22 de junho de 2013

De minha primeira passeata


A História é um campo de eterna surpresa. Por mais que imaginemos que exista alguma teleologia, alguma "mão invisível" a guiar os fatos, eles sempre nos aturdem. São mais rápidos que todas as análises, previsões, planejamentos.

Desde 10 de junho de 2013 , há apenas 2 semanas, os acontecimentos têm atropelado os analistas. Ninguém poderá dizer : "eu avisei", "I saw it coming" porquê ninguém previa os rumos que as passeatas pela diminuição da tarifa de transportes em São Paulo, organizadas pelo movimento Passe Livre, tomariam. Parecemos, hj, à beira da Anarquia, de nossa primeira Revolução, seja popular ou burguesa. Pela primeira vez em nossa História nos vemos diante de mobilizações sociais que abalam governos e convulsionam a sociedade.

Ver a tudo isso, até agora à distância, pela TV e Internet, além de um pouco de frustração por não poder ir à rua, me lembra meu primeiro ano na faculdade de História, na USP. Com frescos 19 anos, cheia de gana, iniciativa, vontade de "mudar tudo".

Assim que comecei a faculdade, pegava todos os panfletos que encontrava, me informando sobre os diversos movimentos sociais nos quais os estudantes se engajavam. Logo no primeiro mês anunciaram uma passeata na avenida Paulista e é claro que eu não podia perder.

Poderia ter sido qualquer o motivo, eu teria ido, tão empolgada que estava. O mote nesta ocasião era a oposição à ALCA, Área de Livre Comércio entre as Américas, uma proposta estadunidense de baixar, ou anular tarifas alfandegárias e impostos de importação.

O pessoal da faculdade, com muita razão, colocou no panfleto de convocação que a ALCA seria uma sentença de morte à indústria nacional, que faliria com a concorrência desleal dos norte-americanos. Me juntei a eles à luta, na rua.

Foi num domingo. Concentração no vão livre do MASP. Fui de metrô. Sozinha, no começo me senti um pouco deslocada. A polícia, avisada, não estava lá para reprimir a passeata, apenas para escoltar, supervisionar e impedir que o trânsito fosse completamente bloqueado. Fizeram um cordão de isolamento nos permitindo ocupar 2 pistas da Avenida Paulista.

Logo encontrei alguns colegas de faculdade, cumprimentados com sorrisos e surpresa: "Vc aqui tb, que legal!". Um deles, não me lembro sinceramente qual, fazia parte da coordenação da passeata e de sopetão, ao trocar meia dúzia de palavras comigo, perguntou todo animado:

- Você não quer subir no carro de som?

Mas é claro!

Me levou até a escada, trocou três palavras ao pé do ouvido com quem a guardava, que logo deu passagem, me permitindo subir a escada metálica, com um certo arrepio da espera do novo.

Lá em cima, além do "puxador" ao microfone, umas 30 pessoas, cheias de ânimo, empunhando cartazes e exibindo faixas, gritando palavras de ordem, agitando os braços ao alto, chamando a multidão. 

E era grande. Só lá de cima vi. Milhares de pessoas ao nosso redor, todas no mesmo compasso: alegria, cidadania, democracia, protesto, luta por melhorias e contra as desigualdades sociais. Ondas de adrenalina coletiva nos estimulavam.

Me senti "no olho do furacão", participando de algo muito especial, transformador, em cima daquele trio elétrico. Me juntei aos demais, cantando com a multidão e ajudando a segurar um longo cartaz de tecido, pintado com os dizeres "Fora ALCA".

Não sei dizer quanto tempo fiquei lá em cima, menos de 1 hora. Quando comecei a sentir minha voz enrouquecer, vitimada pela empolgação, cedi meu lugar a outro manifestante e vi que já era hora de descer. Já estávamos na rua da Consolação.

Prossegui em passeata, procurando outros colegas lá no meio. Encontrei alguns outros, calouros como eu, se sentindo "revolucionários autênticos" ao participar de seu primeiro protesto, como eu.

Vestida com uma blusa branca, nada demais. Ao constatar-me em meio a um mar vermelho, me senti algo deslocada, e como começava a esfriar um pouco, fui até um vendedor ambulante que acompanhava a manifestação com um varal de roupas para vender.

Dei uma repassada nas camisetas e achei uma que preenchia meus anseios: vermelha, com dezenas de pequenos Che Guevaras estampados com a frase "Viva Che". Perfeita. Vesti por cima da blusa branca e comecei a partir de então a me sentir "mais adequada", identificada com a onda coletiva.

Prosseguimos até a praça Roosevelt e na praça da República nos dispersamos. Essa manifestação não foi histórica, não repercutiu, não mudou nada (até hoje a ALCA não chegou ao Brasil, e não parece que vá tão cedo...). Mas me deixou uma marca profunda. Foi a minha primeira.

Na volta, peguei o metrô e, em segurança, voltei para casa. Conseguindo assento no trem, sentei-me com um sorriso no rosto, que coroava a sensação de estar participando de algo maior do que eu mesma. De ser um agente social transformador, que não apenas assiste, mas toma parte nos acontecimentos. Alguém que grita, e faz sua voz ser ouvida, contra o silêncio e a apatia geral.

No dia de hoje, parece, essa apatia do "gigante adormecido" acabou. Há 2 semanas milhares, milhões, de brasileiros saem às ruas, em protestos facilitados pelas redes sociais, azeitados pelas hashtags

#ogiganteacordou #obrasilacordou #vinagre #vdevinagre #passelivre #primaverabrasileira #vemprarua #protesto #manifestasp #changebrazil 

E algo mudou. Todos percebemos. Não sabemos ao certo o teor e a direção da mudança, mas ela está acontecendo. Centenas de cidades se levantam contra a alta no custo de vida, o peso dos impostos, a ineficiência dos serviços públicos, a corrupção institucionalizada, a impunidade à violência, os gastos exorbitantes nas obras da Copa do Mundo de futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Parece que acordamos. 

Me sinto privilegiada em testemunhar acontecimentos Históricos como este.

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terça-feira, 18 de junho de 2013

De Jarson Brenner


Nunca estive na presença física de Jarson Brenner Borges Passos. Contudo, sinto como se o conhecesse mais do que a muitos amigos pessoais.

Jarson Brenner é meu amigo, de muitos anos. Nosso primeiro contato foi na comunidade do Orkut "Perguntas Cristãs Complexas", creio que no ano de 2006.

Jarson era cristão evangélico. Porém, se destacava por sua mente aberta, questionadora, polivalente. Diferentemente dos demais evangélicos, com a cabeça desesperadoramente fechada, Jarson falava sobre tudo sem maldade, sem segundas intenções. Por algum motivo até hoje alheio ao meu conhecimento, foi construindo uma certa "admiração" por mim, sem que eu até hoje tenha descoberto o porquê.

Quando a situação na PCCplex ficou insustentável, um grupo de membros dissidentes fundou uma nova comunidade, a "Religião & Vida", tema explorado neste outro texto: "De Orlando Nunes" http://inadvertidamente.blogspot.com.br/2013/04/de-orlando-nunes.html 

Jarson rapidamente aderiu à nova iniciativa, com entusiasmo, chegando a moderador antes da comunidade ser criminosamente deletada. Tb era membro bastante ativo da minha "Perguntas Cristãs Ridículas", e a ele teria repassado a moderação dela, se pudesse...

Com o passar dos anos, Jarson foi conquistando minha amizade e minha confiança. As comunidades eram criadas, deletadas, recicladas, abandonadas, mas ele continuava a ser presença constante em meus scraps, e-mails e mensagens. 

Jarson sempre se identificou como um "peregrino": alguém que está num caminho sagrado de descoberta pessoal, espiritual. Sempre primou pela humildade, calma, paciência, ponderação: marcas de uma pessoa verdadeiramente sábia. 

Mais sábio que aquele que aponta, indica ou inventa "caminhos" é aquele que diz "estou num caminho cujo destino não conheço, meu trajeto vai sendo descoberto ao longo da trilha". E assim é Jarson Brenner. Flerta com o Cristianismo, o Noachidismo, o Judaísmo, o Budismo, o Hinduísmo, sempre aberto a todas as formas de sabedoria, que mesmo parciais, podem sim, trazer cada uma sua contribuição à sua evolução espiritual.

Jarson é leitor assíduo desse blog, sempre deixando comentários construtivos. Sinto que eu mesma não visite o seu com tanta freqüência, e o deveria, pois são belos os seus textos e reflexões. http://www.jarsonbrenner.com.br/ 

Recentemente, tive uma grande decepção com um de meus mais íntimos amigos pessoais. Depois disso entrei numa certa "crise de identidade", me questionando quem realmente era "meu amigo de verdade" e nesse meio tempo, percebi o quanto cada curtida, comentário e mensagem de Jarson demonstravam que nele eu tinha um "grande amigo de verdade", que "me curtia" simplesmente por gostar das minhas idéias e escritos.

Assim o remanejei mentalmente do grupo dos "conhecidos virtuais" para o de "bons amigos pessoais", mesmo que nunca o tenha encontrado pessoalmente. Tantos anos de amizade, de demonstrações de boa índole, dedicação e atenção mereciam algum tipo de "reconhecimento".

Nesse meio tempo Jarson, para minha grande alegria, passou no vestibular e entrou no curso de História da UFPR. Do Maranhão, agora estava em Curitiba. Então vi que havia muito que eu poderia fazer por ele.

Imediatamente ponderei que podia ajudá-lo nessa nova trajetória. Sendo alguns anos mais velha que ele, tendo morado na maior megalópole do Brasil e já formada em História, eu poderia lhe mandar algo de minhas experiências e conhecimento.

Percebi que eram muitas as músicas que eu tinha em mp3 no meu computador que Jarson provavelmente nunca tinha ouvido. E conhecer esse "cancioneiro hipster" lhe seria cobrado no "ambiente acadêmico". Organizei todas as minhas músicas e as gravei em DVD's, divididas por categorias. Tb lhe copiei dois jogos muito interessantes para qualquer historiador: Caesar III e Civilization II. Pena que já são algo "velhos" e os novos computadores não os rodem... :(

Igualmente, eram centenas os meus arquivos de faculdade, que nunca mais usarei, e que poderiam lhe ser de grande ajuda. Os gravei, todos, tb em discos. Da mesma fiz com todos os .txt , .doc e .rtf de meus comentários e tópicos que guardei das postagens que fiz nas comunidades de perguntas religiosas das quais já participei. Por saber de seu interesse por Judaísmo, tb lhe remeti uma cópia do meu volume comentado e sublinhado do Mishnê Torá de Maimônides. Por já estar esgotado e saber de sua importância, tb lhe mandei uma cópia do "História social da Criança e da Família" do Ariès.

Por ele morar agora em Curitiba, um lugar frio, tb lhe fiz um mimo especial, e personalizado, que apenas poucos amigos chegados recebem: um cachecol, com suas iniciais. Cada cachecol que faço é exclusivo, artesanal, feito com muito carinho e cuidado. Em cada ponto vai um pensamento, um sentimento, uma meditação. E Jarson mais do que fez por merecer o seu.

Empacotei tudo e lhe remeti pelo correio. Um presente espontâneo, em reconhecimento a tantos anos de uma bela, e construtiva, amizade. Espero que o cachecol o aqueça, o proteja, o deixe elegante e charmoso. Espero que os arquivos de textos possam lhe ser úteis. Espero que ele goste das músicas, e que elas ajudem a ampliar seu horizonte cultural. Espero que ele leia os livros, e que isso contribua algo em sua evolução espiritual.

Mas, em se tratando de Jarson Brenner, sei que não me decepcionarei em nenhuma dessas expectativas. Acredito muito que no futuro ele venha a construir "renome" e que um dia, com muito orgulho, comentarei que sou amiga do famoso escritor, intelectual, historiador Jarson Brenner para assombro dos que ouvirem.

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domingo, 9 de junho de 2013

Dos melhores presentes que já dei a namorados

Presentear alguém é um ato muito especial. É uma declaração de que a pessoa tem sentimentos verdadeiros pela outra, que sempre a tem em mente, que ponderou profundamente sobre o que lhe poderia agradar, e, além disso, "despendeu" seu dinheiro, muitas vezes escasso, para simplesmente trazer alegria a alguém de sua profunda estima.

Sempre gostei de dar presentes verdadeiramente especiais às pessoas preciosas em minha vida. Não importava o valor monetário. Sempre considerei o se presentear um ato de dedicação bonito entre duas pessoas. E sempre caprichei bastante. Muito mais quando o receptor era meu parceiro romântico.

Em 1998 eu tinha 15 anos e um orçamento limitadíssimo. Acostumada a isso, já sabia ser necessário ter um "colchão de dinheiro", uma certa reserva, para imprevistos e momentos especiais. Eu tinha um namoradinho, muito apaixonado por mim, chamado Daniel.

Embora o sentimento que dedicava a ele fosse em menor intensidade, eu sabia valorizar o quanto ele me tratava bem e fazia todas as minhas vontades. Ao se aproximar o dia dos namorados, 12 de junho no Brasil, precisava lhe dar um presente especial, pois era realmente digno de mérito todo o amor adolescente que me dedicava.

Era ano de Copa do Mundo, na França. E ele não fugia ao clichê da "paixão pelo futebol" que brasileiros comumente têm. Não havia presente melhor a lhe dar que uma camisa da seleção brasileira. Fiz pesquisa. A "falsificada" de camelô, vagabunda, era 15 reais. A "falsificada" de loja, usável, era 30 reais. A original, em tecido dry fit, custava no shopping 80 reais a canarinho e 98 reais a "reserva", azul, muito mais bonita.

Meu dinheiro era muito, muito pouco. Me questionei qual era o "nível de amor" que Daniel me dedicava, e quanto deveria ser o "gasto justo" que deveria corresponder ao seu presente de dia dos namorados.

Ao dar presentes às pessoas de minha estima, sempre procurei não ser miserável, mesquinha, e sim lhes dar o que mereciam. E Daniel não merecia uma camisa falsificada, nem de baixo valor. Seu amor por mim era verdadeiro, profundo. E eu não trairia sua dignidade lhe dando um presente "inferior". Embora a camisa amarelo-canário oficial não fizesse feio algum, e custasse 18 preciosos reais a menos, pensei que uma blusa amarela não "combinaria com tudo" e que a azul, mesmo sendo mais cara, poderia ser usada em muitas mais ocasiões.

Não tive dúvida, mesmo que aqueles 98 reais me doessem, comprei a camisa oficial azul. E gigantesco foi o sorriso de Daniel ao recebê-la.

- Não acredito que vc me deu uma camisa oficial, azul, da seleção. Vc não acredita o quanto eu queria ganhar ela!

Em 2001, aos 17 anos, engatei meu segundo "namoro sério", com James. E a ele dei dois presentes durante os 4 anos de nossa convivência que tb considero verdadeiramente especiais. O primeiro teria sido de Natal, mas só o pude dar em princípios de Janeiro.

Até hoje me lembro da expressão de surpresa em seu rosto ao ganhá-lo. Não esperava um presente "tão bom". Eu ainda vivia das poucas notas que conseguia receber de Regina, cada real era suado, duramente negociado ou mesmo "arrancado" de suas mãos com chantagens. Apesar disso, sempre tinha escondidas "minhas reservas", sem que disto ela tivesse a mais vaga idéia.

Era descomedido meu amor por James, e embora eu soubesse que a recíproca não fosse verdadeira, queria lhe dar um presente que, de forma palpável, lhe demonstrasse a profundidade de meus sentimentos.

Sendo ele historiador e geógrafo, não podia ser alguma coisa banal, mas algo que ele visse como precioso, e útil.

Era muito, absurdamente, caro para mim. Mas na livraria encontrei o presente perfeito, e depois de achá-lo, nenhum outro serviria. Lhe comprei o livro "Trabalhadores" do fotógrafo Sebastião Salgado, em encadernação de luxo, com capa dura. Ele simplesmente não acreditou, e ficou muito feliz. Eu, mais ainda.

No ano seguinte lhe dei outro mimo precioso. Assistira recentemente ao filme "Um homem de família" (The family man) no qual Nicolas Cage interpreta um especulador de Wall Street que é "transportado" a uma realidade paralela, uma outra virtualidade do rumo que poderia ter dado a sua vida, como "pai de família". Ao abrir o armário de seu "outro eu" ele deplora o conteúdo de roupas baratas e sem grife. Apesar disso, seleciona as roupas "menos piores" para ir a uma festa, e na cena seguinte aparece com um belíssimo sweater de lã azul clara, com gola V.

Ao ir a Campos do Jordão em 2002, embora ainda longe do Natal, vi na vitrine de uma loja aquele mesmo suéter de lã azul com gola V, muito elegante. Custou caro, mas era perfeito. O comprei e dei a James. Ele não achou "assim" muito especial, mas gostou e imediatamente vestiu. Coube-lhe perfeitamente, e ele ficou muito charmoso, à la Nicolas Cage. Como um verdadeiro "homem de família".

Em 2003 namorei Felipe. Nosso enlace não chegou até o Natal, mas mesmo assim, se não lhe dei, lhe deixei um presente. Pouco versado em culinária e gastronomia, quando ia a sua casa eu lhe preparava muitos pratos, e para isso levei e lá deixei um livro de "Receitas Vegetarianas". Ao fim de nosso compromisso, não o pedi de volta, lá ficou, e o reputei como um presente dado a uma pessoa deveras especial. Espero que ainda hoje dele faça uso.

Em 2007 namorei Gabriel. 6 anos mais jovem que eu. Ele me amava com mais intensidade do que eu a ele. E da mesma forma como se passara com Daniel, queria homenagear o sentimento que me dedicava com um presente que "correspondesse" em sua preciosidade à consideração que eu tinha por ser alvo de sua "grande paixão".

Lhe comprei seu primeiro vidro de "eau de toilette", de "perfume de verdade", Kaiak de Natura, com estojo metálico e tudo. Foi esfuziante sua expressão de agradecimento. Ele gostou MESMO. Quando terminamos, mais de 1 ano depois, o frasco não estava nem pela metade. Creio que ainda o use.

Desde então não mais tive nenhum namoro sério, e nenhum parceiro romântico que de mim merecesse algum presente especial. Conforme os anos se passam, fico mais "fresca" e seletiva, procurando ínfimos defeitos para descartar quem quer que seja que se candidate a ser o próximo nesta lista.

Da mesma forma que apenas dou presentes especiais, apenas aceito parceiros românticos que eu considere especiais, dignos de receber presentes que "abram um rombo" em minhas finanças, agora mais "folgadas", com um "colchão" bem mais confortável.

O próximo a conseguir lugar nesta lista há de ser muito, muito, especial. Não aceito nada menos que isso.

Alanis Morissette - Unsent http://www.youtube.com/watch?v=8Wlhw_HJLts 

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sábado, 8 de junho de 2013

Meu primeiro amor

Era 1993. Eu tinha 10 anos e morava na pensão de Dona Rosa Ross, à rua João Migliari, número 13, Tatuapé. Cursava a quarta série do Ensino Fundamental na E.E. Jackson de Figueiredo.

Nesta mesma escola estudava, na série seguinte, o menino que foi minha primeira paixão. Seu nome era Francisco. Era um menino loiro com brilhantes olhos verdes, que não me dava nenhuma atenção especial. Além de vê-lo na escola, tb éramos amigos de vizinhança, com dezenas de coleguinhas em comum.

Nos encontrávamos nas mesmas festinhas de garagem. Éramos convidados às mesmas sessões de videogame e fliperama. Foi com ele que pela primeira vez joguei "Street Fighter" e também foi com ele que dancei minha primeira música lenta em uma festinha pré-adolescente. Daquelas dancinhas em que se seguram as mãos, e se aproximam as faces, mas sem se tocar, timidamente.

Muitos foram os aniversários, amigos secretos, brincadeiras de pique-esconde, passa anel, e beijo abraço ou aperto de mão que compartilhamos. E eu sempre suspirava escondida por seus belos olhos, muito temerosa de que ele descobrisse que eu estava "gamadinha" por ele e isso fosse usado para me zoar, o que muito me magoaria. Pelo temor de revelar meus sentimentos e ser rechaçada, preterida, e também por ser muito jovem e nem saber ao certo o que sentia, que nunca "me declarei" para ele, jamais lhe revelei meu interesse romântico. Eu o achava "muito gato" e era enorme meu medo que ele me achasse feia, e se eu revelasse minha paixão, dissesse: "vc não é BONITA O SUFICIENTE para eu me interessar por vc".

Francisco era muito mais pobre do que eu. O percebi quando fui brincar em sua casa, com vários coleguinhas, e me surpreendi primeiro que ele morasse "nos fundos" de um longo corredor cheio de casinhas na rua Padre Estêvão Pernet, num construto que poderia ser chamado de cortiço.

Entrando em sua casa, também estranhei que houvesse apenas 1 quarto, que ele dividia com a mãe e irmãos, e com as manchas de bolor em todas as paredes, que resultavam num ar pesado, insalubre. Mas isso em nada diminuía a beleza dos olhos verdes de Francisco.

Nossa trajetória escolar e meus interesses românticos por ele foram seriamente prejudicados por uma tragédia, dessas que deixam marcas eternas.

Certa feita Francisco e outro colega meu vizinho, C, iriam a um jogo de futebol. Tiveram a "genial" idéia de fabricar uma bomba caseira para levar ao estádio. Nenhum dos 2 meninos tinha mais que 12 anos, e em tempos pré-internet, não tiveram acesso a esquemas confiáveis para a fabricação de bombas caseiras.

Na cozinha da casa de número 31 da João Migliari, na ausência dos pais e irmãos de C, se puseram a fazer a bomba. Encheram de pólvora um cano de PVC. Taparam as extremidades e só depois se deram conta: esquecemos do pavio!

Meninos, inexperientes, que eram, tiveram a pior idéia de suas vidas: "vamos esquentar a ponta de uma faca no fogão, e com a faca quente vamos abrir um buraco no cano de PVC, e nele meter o pavio." 

Não creio que tenha-lhes passado pela cabeça que o cano já estava cheio de pólvora, e isso poderia ser perigoso. C segurou o cano enquanto Francisco lhe enfiava a faca em brasa.

Eu pude ouvir a explosão de minha casa. Não achei que fosse nada até que 5 minutos depois 2 ambulâncias chegaram gritando em nossa vila. Então fui à rua e percebi a comoção de dúzias de vizinhos chorosos na porta da casa 31. Alguns de meus coleguinhas também estavam no meio da muvuca, e fui lhes perguntar o que acontecera, enquanto sentia pela primeira vez o cheiro de pólvora queimada.

- Ah, parece que o C e o Francisco estava fabricando uma bomba caseira, e ela explodiu na cara deles!

Fiquei mais do que chocada, apreensiva. 

- Eles estão muito machucados?... Morreram?... 

Ninguém sabia responder, só que tinham sido levados de ambulância, sangrando, para o hospital. E que a cozinha da casa estava completamente destruída.

Um ou 2 dias depois soubemos: C perdera 3 dedos das mãos. E Francisco ficara cego de um olho. E muito me doeu imaginar um dos belos olhos verdes de Francisco inutilizado. E tudo o que isso lhe traria como consequência.

Conforme dito, a mãe de Francisco era muito pobre. Não me lembro se foi algo espontâneo das crianças suas amigas, ou algo coordenado por um adulto, mas logo começamos a nos mobilizar para arrecadar fundos para a sua recuperação. Nosso colega C não precisava disso, pois sua família era bem "remediada", podia arcar com os custos de sua reabilitação.

Todos os nossos coleguinhas começaram a bater de porta em porta pela vizinhança coletando jornais para vender no ferro velho a quilo, como lixo reciclável, e todos os fundos eram revertidos à mãe de Francisco, em colaboração ao seu tratamento, para que ela pudesse comprar todos os medicamentos e garantir sua máxima recuperação possível.

Por vários meses, em certo tom de aventura caritativa, percorremos dezenas de ruas da vizinhança pedindo doação de jornais velhos. Ao ponto de que pela enésima semana nem precisávamos anunciar o motivo pelo qual tínhamos apertado a campainha: ao ver meia dúzia das mesmas crianças de sempre à porta, os moradores do Tatuapé já sabiam:

- Vcs são coleguinhas do garoto da bomba, né? Já trago o jornal.

Poder "fazer alguma coisa", mesmo que pequena, pela recuperação de Francisco algo que aliviou meu pesar. Ele passou algumas semanas internado, mais tempo que C. E dele eu só recebia notícias quando íamos à casa de sua mãe entregar o dinheirinho que havíamos angariado com nossa iniciativa de coletar jornais. Tenho certeza de que não era muito, mas, apelando a um velho clichê, era "de coração".

Depois que Francisco recebeu alta, o vi 1 ou 2 vezes. Ele não mais parecia o mesmo. Um de seus olhos, agora cego, estava esbranquiçado. Seu rosto e braços estavam todos marcados por cicatrizes profundas, ainda vermelhas. Mas, mais impactante que isso foi a mudança em sua postura.

Antes desse acidente da bomba, era um garoto decidido, orgulhoso, cheio de charme espontâneo, vivaz. Depois, parecia baqueado, cabisbaixo, sem vida, algo traumatizado e introvertido. Não era mais o mesmo. E isso não era algo de aparência, mas uma condição psicológica, emocional. Ele não tinha mais o mesmo "topete" de antes. Então percebi que o real motivo de minha fascinação por ele não era bem seus "lindos olhos", mas sua atitude, "quem" ele havia sido, e não mais era, um garoto forte e decidido.

No ano seguinte me mudei desta vila, e nunca mais depois disso vi ou tive notícias de Francisco. Sequer posso procurá-lo nas redes sociais, pois não guardei seu sobrenome. Mas de tudo isso restou muita coisa.

Meu primeiro amor, minha primeira paixonite platônica pré-adolescente, que jamais se materializou em beijo, nem selinho. Meu primeiro trauma de perda. Minha primeira aflição com a saúde de uma pessoa querida. A primeira vez em que temi que um ente querido viesse a morrer. Minha primeira "mobilização social", minha primeira "intervenção civil coletiva", minha primeira "ação caridosa" autônoma, voluntária, e aguerrida.

Mas também minha aversão, ojeriza, a explosivos. Meu horror ao cheiro de pólvora queimada. Meu profundo temor às coisas que podem fugir ao controle, como o fogo e químicos de essência forte.

Não fosse esse acidente da explosão da bomba, Francisco talvez teria sido meu primeiro beijo, meu primeiro namorado, minha primeira paixão pré-adolescente. Mas a pólvora naquele cano de PVC ao explodir embaralhou meus projetos, com todas as suas virtualidades, e tornou impossível a concretização de meus desejos românticos inocentes.

Francisco foi meu primeiro amor e minha primeira dor. Meu primeiro projeto e minha primeira frustração. Minha primeira beleza e minha primeira tristeza. Minha primeira admiração e minha primeira preocupação. Sinto não mais saber dele, se recuperou ao menos parcialmente a visão daquele belo olho verde, se tem alguma lembrança de mim. Se aqueles jornais arrecadados com tanta dedicação em algo ajudaram sua recuperação.

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